São Paulo, sábado, 11 de novembro de 1995
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Jovem cigana vive drama de novela

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma jovem cigana paulistana vive hoje o mesmo drama da personagem Dara, interpretada pela atriz Tereza Seiblitz na novela "Explode Coração".
Pita, 21, resolveu desafiar os costumes de sua família e, sob protesto de pais e irmãos, se prepara para prestar vestibular no fim do ano, como a personagem criada por Glória Perez.
Como Dara, ela rompeu a tradição cigana de que a mulher não deve estudar, mas apenas se dedicar ao jogo de búzios, à leitura de mãos e à adivinhação pelas cartas.
"Respeito as idéias de minha família, mas não acho justo proibir alguém de estudar. Pretendo fazer medicina e me tornar pediatra", diz Pita, apelido com que preferiu se identificar à Folha.
O pai de Pita, Diogo Jorge, 63, não consegue fazer a filha mudar de idéia. "Já cansei de falar. Não adianta. Acho que a mulher deve no máximo estudar quatro ou cinco anos de sua vida. Isso basta."
Sem conseguir convencer Pita a desistir do curso, a preocupação da família agora se volta para outro "perigo": o de que ela acabe casando com um "gadjô", palavra que designa os "não-ciganos".
Pita, uma jovem bonita como a Dara de "Explode Coração", diz que ainda é cedo para falar de casamento, mas admite a possibilidade ao dizer que o importante "é a pessoa casar com quem gosta".
O pai garante que não deixará a ousadia da filha chegar a esse ponto. "Mas depois que eu morrer, acho que isso vai acabar acontecendo", lamenta.
A mãe, Marta, atribui as posições da filha aos colegas de colégio. "Essa convivência acabou dando essas idéias a ela."
A irmã de Pita, Olga Cinara, 35, seguidora fiel da ortodoxia cigana, está do lado dos pais: "Mulher não precisa estudar tanto e deve casar com cigano".
Pita combate a tradição dentro de uma das mais tradicionais famílias de ciganos do país.
O pai, comerciante de carros, diz com orgulho que seu avô trouxe ao país, na década de 10, as primeiras famílias de ciganos rons (um dos grupos em que eles se dividem) ao país, como os Gaich e os Jorgevitch.
Os capítulos de "Explode Coração" são discutidos calorosamente entre os pais e os cinco filhos no sobrado em Campos Elíseos (região central de São Paulo).
Apesar de -com exceção de Pita- discordarem das idéias de Dara, todos elogiam a fidelidade com que os costumes ciganos são reproduzidos na novela e o efeito positivo que terá para comunidade.
Acham que ajudará a diminuir o preconceito contra os ciganos. "Todos os ciganos estão aprovando", garante Diogo Jorge.
Medo
Pita vive os efeitos do preconceito de perto. Esconde de seus colegas de colégio e de cursinho a sua origem cigana.
Diz ter medo da reação deles se souberem de sua verdadeira ascendência. Acha que as pessoas têm uma visão distorcida dos ciganos.
Por isso, pediu à reportagem da Folha para que não fosse citado o seu verdadeiro nome e que não fosse fotografada de frente.
Mesmo com todos os cuidados que toma, como não usar roupas e acessórios típicos quando vai ao colégio, afirma que às vezes é chamada de "ciganinha" por alguns professores.
Acha que seu tipo físico acaba traindo a origem. Mas nunca "passa recibo" quando é alvo dessas brincadeiras.
Jamais revelou a condição de cigana a qualquer colega de escola. Nunca levou uma amiga não-cigano para a sua casa.
Apesar de suas posições liberais, diz gostar de muitas tradições ciganas. Sabe ler a sorte, tocar órgão e dançar à moda cigana. Mas sempre entre ciganos.

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