São Paulo, sábado, 11 de novembro de 1995
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Milton faz a celebração da tolerância

ELVIS CESAR BONASSA
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

A "Missa dos Quilombos", montada pela primeira vez em 20 de novembro de 1981 em Recife no dia do 286º aniversário da morte de Zumbi, vem a São Paulo no próximo dia 17, para uma apresentação gratuita no Vale do Anhangabaú. Antes, no feriado do dia 15, será encenada em Aparecida do Norte, dentro da Basílica de Nossa Senhora.
Com música de Milton Nascimento sobre textos do bispo Pedro Casaldáliga e do poeta Pedro Tierra, a encenação parte da estrutura da missa católica e a transforma em uma celebração da cultura afro-brasileira. Ao mesmo tempo, missa e espetáculo.
Cada uma das partes da liturgia, da entrada à benção final, passando pelo aleluia e pelo ofertório, é substituída por canções de temas e ritmos negros. A celebração inclui questões sociais e elementos das religiões de origem africana.
"Eu não vejo as religiões como se fossem partidos, eu não me prendo a partidos e as coisas acontecem naturalmente", disse o ex-coroinha Milton Nascimento à Folha a respeito da heterodoxia de sua missa, durante o intervalo do ensaio realizado anteontem, em Belo Horizonte.
A "Missa dos Quilombos", agora encenada em homenagem aos 300 anos da morte de Zumbi, ultrapassa bastante o terreno da religião. Musicalmente, é uma das obras de Milton mais respeitadas no exterior, segundo o próprio compositor.
No texto, deixa de lado a preocupação puramente espiritual da missa católica, em favor da crítica social.
Em favor ainda do total sincretismo, ou tolerância. "Em nome do Deus de todos os nomes -Javé, Obatalá, Olorum, Oió", "Saravá da Páscoa da Ressurreição" ou "Caô, Cabê em si, Iobá, todos os santos nos vão ajudar" são exemplos dos versos que compõem a "Missa".
As músicas são cantadas por um coro de dez vozes. Há solos do próprio Milton e da atriz e cantora Zezé Motta. A banda tem um grande acento na percussão, no batuque -quatro percussionistas e um baterista. A formação se completa com teclado, violão e baixo.
No palco/altar haverá 26 pessoas, além dos figurantes -que compõem por exemplo a procissão que abre a "Missa". Ao todo, o número de participantes da montagem pode chegar a 50.
Nossa Senhora
A "Missa dos Quilombos" é também uma celebração feminina. Ao lado do celebrante, o frei dominicano Paulo César Botas, estará Zezé Motta. Cabe a ela interpretar os trechos recitados da "Missa" e uma das canções.
Na frente do palco/altar, a bailarina negra Rosy Zambesi dança a missa, na forma de capoeira, congado, marujada. As coreografias são de Alexandrino Ducarmo, que a acompanhará em algumas danças. No final, a bailarina se transforma em Nossa Senhora.
A figura de Maria, sob o nome de Mariama, é um dos eixos da montagem. "Se você olhar a Pietá, com o filho nos braços, aí você compreende tudo, a dor a alegria, todos o sentimentos da mãe. É uma figura que ultrapassa os sexos, é a mãe e é o pai também", diz Milton.
O último texto da celebração é exatamente a "Invocação a Mariama", de dom Hélder Câmara. Esse texto foi criado de improviso por Câmara, na montagem de 1981. Gravado ao vivo, foi transcrito e incluído definitivamente na "Missa".
Essa gravação faz parte do disco "Missa dos Quilombos", lançado em 1982. O disco fez pouco sucesso no Brasil. Agora, será relançado, antes do final do ano.
"Em 82, o disco foi boicotado pela gravadora, pela imprensa, pela Igreja", recorda Milton. Agora, o clima é diferente. Sinal disso foi o fato de o arcebispo dom Aloísio Lorscheider ter autorizado a realização da "Missa" dentro da Basílica de Nossa Senhora Aparecida, desrespeitando uma proibição do Vaticano (leia texto abaixo).
Dentro da Basílica, ao contrário do Anhangabaú, a "Missa dos Quilombos" será uma cerimônia religiosa completa, incluindo a comunhão. Em São Paulo, será uma celebração artística.

LEIA MAIS
Sobre 300 anos da morte de Zumbi à pág. 3-3

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