São Paulo, sábado, 11 de novembro de 1995 |
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Milton faz a celebração da tolerância
ELVIS CESAR BONASSA
Com música de Milton Nascimento sobre textos do bispo Pedro Casaldáliga e do poeta Pedro Tierra, a encenação parte da estrutura da missa católica e a transforma em uma celebração da cultura afro-brasileira. Ao mesmo tempo, missa e espetáculo. Cada uma das partes da liturgia, da entrada à benção final, passando pelo aleluia e pelo ofertório, é substituída por canções de temas e ritmos negros. A celebração inclui questões sociais e elementos das religiões de origem africana. "Eu não vejo as religiões como se fossem partidos, eu não me prendo a partidos e as coisas acontecem naturalmente", disse o ex-coroinha Milton Nascimento à Folha a respeito da heterodoxia de sua missa, durante o intervalo do ensaio realizado anteontem, em Belo Horizonte. A "Missa dos Quilombos", agora encenada em homenagem aos 300 anos da morte de Zumbi, ultrapassa bastante o terreno da religião. Musicalmente, é uma das obras de Milton mais respeitadas no exterior, segundo o próprio compositor. No texto, deixa de lado a preocupação puramente espiritual da missa católica, em favor da crítica social. Em favor ainda do total sincretismo, ou tolerância. "Em nome do Deus de todos os nomes -Javé, Obatalá, Olorum, Oió", "Saravá da Páscoa da Ressurreição" ou "Caô, Cabê em si, Iobá, todos os santos nos vão ajudar" são exemplos dos versos que compõem a "Missa". As músicas são cantadas por um coro de dez vozes. Há solos do próprio Milton e da atriz e cantora Zezé Motta. A banda tem um grande acento na percussão, no batuque -quatro percussionistas e um baterista. A formação se completa com teclado, violão e baixo. No palco/altar haverá 26 pessoas, além dos figurantes -que compõem por exemplo a procissão que abre a "Missa". Ao todo, o número de participantes da montagem pode chegar a 50. Nossa Senhora A "Missa dos Quilombos" é também uma celebração feminina. Ao lado do celebrante, o frei dominicano Paulo César Botas, estará Zezé Motta. Cabe a ela interpretar os trechos recitados da "Missa" e uma das canções. Na frente do palco/altar, a bailarina negra Rosy Zambesi dança a missa, na forma de capoeira, congado, marujada. As coreografias são de Alexandrino Ducarmo, que a acompanhará em algumas danças. No final, a bailarina se transforma em Nossa Senhora. A figura de Maria, sob o nome de Mariama, é um dos eixos da montagem. "Se você olhar a Pietá, com o filho nos braços, aí você compreende tudo, a dor a alegria, todos o sentimentos da mãe. É uma figura que ultrapassa os sexos, é a mãe e é o pai também", diz Milton. O último texto da celebração é exatamente a "Invocação a Mariama", de dom Hélder Câmara. Esse texto foi criado de improviso por Câmara, na montagem de 1981. Gravado ao vivo, foi transcrito e incluído definitivamente na "Missa". Essa gravação faz parte do disco "Missa dos Quilombos", lançado em 1982. O disco fez pouco sucesso no Brasil. Agora, será relançado, antes do final do ano. "Em 82, o disco foi boicotado pela gravadora, pela imprensa, pela Igreja", recorda Milton. Agora, o clima é diferente. Sinal disso foi o fato de o arcebispo dom Aloísio Lorscheider ter autorizado a realização da "Missa" dentro da Basílica de Nossa Senhora Aparecida, desrespeitando uma proibição do Vaticano (leia texto abaixo). Dentro da Basílica, ao contrário do Anhangabaú, a "Missa dos Quilombos" será uma cerimônia religiosa completa, incluindo a comunhão. Em São Paulo, será uma celebração artística. LEIA MAIS Sobre 300 anos da morte de Zumbi à pág. 3-3 Próximo Texto: Vaticano proibiu missa racial Índice |
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