São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Com os estudantes

OSCAR NIEMEYER

Na semana passada recebi na USP, em São Paulo, o título de professor "honoris causa". Foi uma cerimônia simples e fraternal. Tão solidária que, ao falar, o reitor lastimou que o Conselho da Universidade tivesse, em 1951, recusado por motivos políticos minha entrada para o seu corpo docente. Tempos amargos. E lembrava que pouco depois o mesmo ocorreu em Juiz de Fora, quando, proibido de entrar na universidade para falar aos alunos, fui obrigado a fazê-lo em um cinema local.
Mas a vida evoluiu, a liberdade foi conquistada e ali estava eu, na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), para a palestra programada. E via satisfeito que o ambiente era caloroso, que 800 alunos me esperavam, sentados no chão, nos pilotis do belo edifício que Artigas projetou. Entusiasmados, cobrindo-me de palmas.
Fui direto à mesa, agradeci aos que me saudavam e, sentado, fiquei aguardando que a cerimônia começasse.
Lembrava a primeira vez que vim a São Paulo, os amigos que encontrara, Ciccillo Matarazzo e Octavio Frias de Oliveira, interessados na minha arquitetura, e abraçado ao velho Di Cavalcanti conheci melhor essa grande cidade.
Recordava os velhos tempos, as amizades que desfrutava, a cidade mais simples e menos tumultuada. Na praça da República, onde morávamos, sentados nos bancos de madeira, ríamos satisfeitos das ocorrências da véspera.
E lembrava as fotos que ali tirávamos, todos jovens, alegres, displicentes diante da vida, que ocorria sem que dela déssemos conta.
Nada disso perturbava nosso trabalho, embora, a sorrir, nosso amigo Rodrigo M.F. de Andrade comentasse: "Vocês parecem colegiais em férias".
Preparava-me para falar aos estudantes, desejosos de conhecer as razões de arquiteto, a minha maneira de trabalhar, como nasce a arquitetura.
Didático, eu lhes contaria como tudo começou. Primeiro surgiram as pequenas aberturas, depois os arcos, depois as "vo–tes", as abóbadas imensas e, finalmente, o concreto armado que tudo modificou. E falaria do período que encontrei, dos racionalistas, da mediocridade existente, incapaz de compreender o mundo de formas novas que o concreto armado oferecia. E lhes revelaria como cobri de curvas a igreja da Pampulha, invadindo sem medo os caminhos da liberdade e da fantasia.
Contaria como surgiu o projeto do Museu de Niterói. O apoio central. E o museu a nascer como uma flor.
E lembraria, com certeza, da noite em que com os meus colegas fomos ver a estrutura do Alvorada já construída. E como nos surpreendemos vendo-a tão bonita a se destacar no horizonte, como uma bela e monumental escultura. E confiei-lhes, emocionado: "Vejam, parece uma escultura, uma obra de arte sem nenhuma finalidade, a não ser a exaltação da beleza. É o ato de criação, quando, em transe, o arquiteto se transforma em escultor. Mas, não raro -acrescentei-, a economia prevalece e o arquiteto se faz mais modesto, dentro dos limites da simplicidade do pré-fabricado".
E lhes explicaria, sem dúvida, que a arquitetura caminha em função do progresso técnico e social. E, quando este último não evolui, ela perde seu conteúdo humano indispensável. E isso ocorre quando os programas construtivos se repetem, em função dos interesses do capital. E os ricos ficam mais ricos, como acontece entre nós.
E não me esqueceria de comentar que não basta ao estudante sair da escola como um bom arquiteto, importa também conhecer seu país, o mundo em que vive. E como tudo se entrelaça, interessado na leitura, sem pretensão paralela. Foi lendo que guardei de Heidegger esta frase que, com poucas palavras, define minha arquitetura: "A razão é inimiga da imaginação".
E terminaria minha conversa com a franqueza que a juventude carece: "Para mim, a arquitetura não é tão importante; importante é a vida, os amigos, este mundo absurdo que devemos modificar."

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