São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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o pulo da girafona

ARMANDO ANTENORE

"Não tenho coxão. Às vezes, acho que nem joelho eu tenho"
"Pensava: eu, a chefona, chegando num escritório. Os funcionários me dizendo bom-dia"
A Gianne Albertoni que você vê nas fotos desta página não existe. A mulher provocante, de lábios musculosos e olhos tristes, pálida como uma heroína russa, só se materializa quando está sobre a passarela ou sob a lente dos fotógrafos -alguns tão importantes quanto o norte-americano Bruce Weber. Quem existe de verdade é Gianne Albertoni Vicente, a "Girafona", a "Periquitinha", uma menina que mora na periferia de São Paulo e fez 14 anos em julho.
Ela tem muita altura (1,80 m) para pouco peso (55 kg). "Na escola, sempre fui a magrelinha, a grandona. Todo mundo cheinho e eu espichada. Dava raiva porque a professora insistia em me colocar no fundo da classe. E os meninos me provocavam, me chamavam de 'Girafona'. Ou de 'Periquitinha', por causa das pernas finas. Você sabe, né? Não tenho coxão. Às vezes, acho que nem joelho eu tenho."
Os braços longos quase varrem o chão. Loira, olhos azuis puxando para o verde, a Gianne de carne e osso revela-se irrequieta e desengonçada. Simpática, fala sem parar. É bonita sim -mas, sobretudo, feliz. Como as crianças.
Já a Gianne das fotos trabalha como um adulto. Iniciou a carreira de modelo quando tinha 12 anos. Foi descoberta por um caça-talentos, o fotógrafo Sergio Duarte, enquanto passeava de bicicleta (alugada) no Parque do Ibirapuera (SP).
Primeiro, posou para revistas e outdoors. Participou, depois, de desfiles promovidos por confecções paulistas. Há oito meses, caiu nas graças dos italianos. Recebeu convite para uma temporada em Milão. Aceitou e estourou.
Frequenta, desde então, passarelas de Roma, Madri, Barcelona, Lisboa, Boston e Nova York, sempre vestindo roupas de grifes famosas (Emporio Armani, Dolce & Gabbana, Marabella, Ferrè e Valentino).
Recentemente, gravou um comercial para o estilista Versace que a MTV exibirá em todo os Estados Unidos. As televisões do Brasil também se encantaram com o rosto e a história de Gianne. A modelo já esteve nos programas de Jô Soares e Marília Gabriela, no "Videoshow" e no "Fantástico".
Bruno e Marcelinho
O sucesso afugentou os complexos da menina. "Não me acho maravilhosa nem feinha. Está bom do jeito que sou. Teve um tempo em que caía no choro quando gozavam das minhas pernas finas. Hoje, não dou bola. Que se dane. Uso até saia."
É verdade que ninguém mais a chama de "Girafona" ou "Periquitinha". "Os meninos, agora, só me chamam de importante. Por falar nisso, escreve aí que estou mandando um beijo para o Bruno e o Marcelinho."
Quem? "O Bruno e o Marcelinho. Os dois estudam na minha classe e sempre me pedem: 'Quando você der entrevista, manda um beijo pra gente.' Outro dia, encontrei o Bruno e disse: 'Te mandei um beijo lá em Milão.' Ele não gostou: 'Tem que mandar aqui no Brasil. Ninguém me conhece em Milão.'"
Itália, Estados Unidos, Espanha, Portugal, tanto faz. A cabeça de Gianne parece estar sempre no Jardim Selma, bairro da zona sul paulistana onde a modelo mora com os pais e o irmão de 16 anos.
A família vive num sobrado de 100 metros quadrados e três quartos. Perto da casa, há uma favela -a Missionária. "Não é um bairro violento como pensam. Nunca me fizeram nada lá. Vou à padaria, vou comprar alface, sempre sozinha e a pé. Cumprimento todo mundo e todo mundo me cumprimenta. Numa boa."
Farra no avião
Antes de seguir para Milão em fevereiro, Gianne deixara o Estado de São Paulo apenas uma vez. "Visitei meu tio no Mato Grosso, pertinho do Paraguai. Mas não lembro porque era muito pequena."
Fez a viagem inteira de carro. Avião mesmo só tomou quando embarcou com a mãe para a Itália. Foi uma farra.
"Entrei me sentindo a gostosona. Sentei e vi aquele botãozinho. Apertei e veio a aeromoça. Quer alguma coisa? Não, não, muito obrigada. Levantei banco, fechei cinto, abri cinto, abaixei banco. Guardei o casaco, peguei de volta, guardei a bolsa, peguei outra vez. Aí a mulher falou: preparar para o vôo. Me segurei na cadeira, morrendo de medo. Será que vou sentir alguma coisa? Será que vai balançar? O avião andou um pouco e parou. Esquisito. De repente, acelerou, correu, correu e decolou, o coração batendo forte, um friozinho na barriga. Meu Deus, o que vai acontecer agora? Não aconteceu nada e eu dormi."
Acordou na Europa. "Você nem imagina quantas coisas novas vi por lá e nos Estados Unidos."
Em Milão: "As ruas são estreitinhas e os prédios, antigões. O pessoal, depois que estaciona os carros, não puxa o freio de mão."
Em Roma: "É uma cidade onde os pedestres têm direitos. Você ameaça atravessar a rua e os carros brecam na hora. Se fosse São Paulo, passavam por cima."
Em Nova York: "Muita gente. Só que falta americano."
Em Miami: "Nadei numa piscina enorme, que parecia um mar com cachoeira. Maravilhoso. O maior diferente."
"A turma adaptaram"
Quando desanda a falar, Gianne não esconde o sotaque italianado e atropela a gramática à moda paulistana. Diz "o maior diferente", "o maior gentil", "a turma adaptaram", "os menino", "a mais grande".
Na escola, porém, é boa aluna. "Nunca repeti de ano nem peguei recuperação". Cursa a 8ª série do colégio Mater Amabilis, particular. Sempre que viaja, perde pelo menos um mês de aula. "Na volta, pergunto para o professor tudo o que preciso estudar. Eu estudo e faço as provas. Dá certo. Por enquanto, tirei apenas uma nota vermelha -em química."
Gianne acha que a carreira de modelo exige poucos sacrifícios. "Não tenho nem que controlar a gula. Tomo sorvete, como pizza, o que for. Outro dia mesmo, almocei uma caixa de Bis."
E o namorado, não se importa com tantas viagens? "Nunca namorei. Mas logo logo vou namorar, vou arranjar meu primeirinho. Já pintou um garoto, uma graça. O nome não digo. Só quando deslanchar."
A menina conta que se sente muito à vontade fazendo caras e bocas de mulherão. "Na passarela, é a minha hora de aparecer. Estão todos reparando. Não importa se vêem defeitos ou qualidades. Nem ligo. Respiro fundo, faço o nome-do-padre e sigo adiante. Me divirto. Em cada desfile, sou uma pessoa. Depende da roupa. Se coloco um vestidão comprido, viro clássica, a maior elegante. Se me dão um modelinho do dia-a-dia, fico normal, com aquele jeito de não estou nem aí. Entende?"
Hoje, Gianne tem certeza de que nasceu para ser modelo. Mas houve uma época em que brincava de cantora ou se fingia de atriz. Também já quis chefiar escritório. "Pensava assim: eu, a chefona, chegando de manhã. Os funcionários me dizendo -'bom-dia, bom-dia'."
Refrigerante
Para os Albertoni Vicente, a carreira de Gianne não é nenhuma brincadeira. O pai, Vilson, administra o dinheiro que a filha ganha. Não revela as cifras, mas admite que o sucesso da menina deu uma guinada nas finanças domésticas.
Vilson sustentava a família com R$ 1.700 por mês. Era o que tirava como fiscal da limpeza pública. Em setembro, pediu demissão. Pretende, agora, abrir um negócio. "Não sei exatamente o quê. Talvez uma locadora de vídeo ou uma casa lotérica."
Há pouco tempo, trocou o Passat 84 por um Escort 94. Também planeja mudar de casa -quer morar mais perto da região central.
A mãe, Maria Tereza, escolta Gianne nas viagens internacionais. O irmão, Kleber, não vê a hora de completar 18 anos para virar motorista oficial da modelo.
"Gianne é uma criançona", diz Vilson. "Temos que acompanhá-la, ficar de olho. Num coquetel, por exemplo, desconfio até do refrigerante. Se precisar, provo antes, experimento um tantinho. Nunca se sabe o que podem colocar dentro."

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