São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 1995
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Um filhote do economês

JOSUÉ MACHADO

"Apreciação" é sinônimo de "valorização"? Para a maioria dos economistas e suas senhoras, sim, como já vimos aqui em 25 de setembro ("O ano passado em Marienbad"). Sim, mas indevidamente, porque "apreciação" significa ato ou efeito de apreciar; conceito, julgamento, opinião; análise, exame. Não é, portanto, o contrário de depreciação, convém repetir, embora os economistas e alguns jornalistas da área venham usando apreciar/apreciação com o sentido perverso de valorizar/valorização. O câmbio, especialmente.
Por causa dessas considerações, o leitor e professor Agenor Soares dos Santos, de Porto Alegre (RS), mandou carta que deu muitas voltas antes de chegar ao destino. Ele é autor do excelente "Guia Prático de Tradução Inglesa", da Editora Cultrix/Edusp, e demonstra que o uso de apreciar e apreciação com sentido de valorizar e valorização constitui na verdade anglicismo, filhote do economês.
Na página 34 do livro, ele mostra que o verbo inglês "apreciate" é utilizado nas diversas acepções de apreciar e também como antônimo de depreciar: valorizar-se, subir de preço; aumentar o preço de mercado. E que "apreciation" também tem o sentido correspondente a aumento de valor.
Conclui que nos casos de semelhança entre a palavra inglesa e a portuguesa, embora de sentidos diferentes, os economistas a utilizam na forma nacional, embora com sentido inglês/americano. Quando as palavras ou expressões inglesas/americanas que mais usam não têm correspondência fácil em português, adotam a forma original sem mais esforço, misturando-as alegremente no texto escrito em língua parecida com o português.
Por fim, alinha algumas dessas palavras e expressões colhidas em recente livro (não diz qual) de Gustavo Franco, diretor do Banco Central, escrito aparentemente em português: "dirty floating", "overshooting', "trade-off", "free rider", "policy mix", "mark-up".
É provável que o livro do professor Agenor Soares dos Santos possa ajudá-los. Se é que esses senhores querem revelar de forma clara para não-iniciados como conseguem administrar tão bem a coisa pública e obter sempre tão bons resultados.
O orador inflamado
O repórter disse do líder negro americano Louis Farrakhan, aquele que promoveu uma passeata só de marmanjos (mau gosto) em Washington, nos EUA, que ele é "dono de retórica inflamada". Farrakhan e outros líderes discursadores aflitos e mais ou menos convincentes pelo tom são chamados frequentemente de "oradores inflamados".
Fica-se imaginando um cidadão com a pele avermelhada ou arroxeada ou qualquer outra coisa que indique inflamação. Ou talvez pulando numa frigideira enorme. O problema da inflamação dos oradores, às vezes num púlpito com uma fogueirinha sob eles, é o lugar-comum, a estampa, o chavão. Nem é tão mau, mas sempre que se fala de um orador expressivo, ruidoso, contundente, entusiasmado, eletrizante, facundo, exaltado, excitado (no bom sentido), loquela, enxundioso, fluvial, agressivo (nem precisa chutar santa), sacam da algibeira "eloquente" ou "inflamado". Uma pena.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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