São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 1995
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Flamengo, 100, só festeja passado

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Erramos: 16/11/95
Quadro publicado à pág. 4-1 ( Esporte) de ontem deixou de informar, em alguns exemplares, a data exata de fundação do Flamengo. O clube carioca foi fundado em 17 de novembro de 1895.
O clube mais popular do Brasil (17% de preferência nacional, segundo o Datafolha) completa hoje 100 anos de existência comemorando só o passado.
No domingo, apenas 870 pessoas pagaram ingresso para assistir ao Flamengo no Rio.
Em um time de massa, não há mais ídolo. Jogadores como Sávio e Romário são vaiados.
Para comemorar o centenário, o clube resgatou no passado seus dois grandes astros: Zico, hoje milionário gerente do clube japonês Kashima Antlers, e Dida, maior ídolo do Flamengo antes da era Zico, inaugurada na década de 70.
Aos 61 anos, Dida leva uma vida semi-anônima como auxiliar técnico do time júnior do clube. Só mantém dois dos oito imóveis que comprou quando era jogador.
No Flamengo, marcou 244 gols -só perde para Zico, com 508.
Na final do Campeonato Carioca de 1955, fez os quatro gols -embora só três tenham sido conferidos a ele oficialmente.
"A expressão internacional do Dida foi prejudicada pelo Pelé", disse à Folha o hoje técnico Mario Jorge Zagallo, companheiro de Dida quando jogava no Flamengo.
Dida seria titular na Copa do Mundo de 58, mas acabou barrado para um garoto de 17 anos, Pelé, entrar e encantar o mundo.
Hoje, o ex-atacante, considerado por Zico seu grande ídolo, vê menos -ou nenhuma- paixão dos jogadores em relação ao clube e se diz constrangido com privilégios, como os de Romário.
Em entrevista ontem na "boca maldita", conjunto de mesas e cadeiras ao ar livre onde veteranos torcedores e jogadores costumam conversar na sede do Flamengo, na Gávea (zona sul do Rio), Dida disse à Folha que se sente "triste, muito triste".
Perguntado sobre o futuro do Flamengo, afirmou estar tranquilo. "O Flamengo é imortal".

Folha - Como vê a situação do Flamengo no ano do centenário?
Dida - Já seria uma tristeza em qualquer época. No centenário marca mais. É triste, triste mesmo.
Folha - Por que, no Rio, o senhor só jogou no Flamengo?
Dida - Porque não conseguiria jogar em outro time. Não era, não fui, nem serei Flamengo. Sou Flamengo. Hoje o cara se transfere de clube para ter melhoria financeira. Eu não pensava em dinheiro.
Folha - Torcedores fizeram no mês passado faixa contra jogadores "mercenários" do Flamengo, sem citar nomes. O senhor concorda?
Dida - Não são os jogadores, mas o futebol é que ficou mercenário. Existe um pouco de paixão, mas o interesse por dinheiro é maior. A parte clubística de querer gostar, se apaixonar, sumiu.
Folha - Hoje, Romário tem privilégios, como viajar em primeira classe no avião, enquanto o resto do time viaja de classe econômica. Quais eram as suas regalias no Flamengo?
Dida - Eu? Que é isso? Não admitiria privilégio. Todos estão no mesmo barco... É constrangedor.
Folha - Dos 11 jogadores que têm sido titulares, só 2 surgiram na Gávea, Nélio e Sávio, em contraste com a equipe de sucesso da virada da década de 70 para 80, na qual quase todos eram "prata da casa". O problema atual são os jogadores de fora?
Dida - O cara de fora não tem o mesmo empenho do criado aqui. Não acredito que todos sejam mesmo Flamengo, talvez passem a ser.
Folha - Como assim?
Dida - Quando eu jogava, chorava com as derrotas, não tinha a mínima vergonha. Chorava principalmente quando eu jogava mal. Não saía à noite. Agora é diferente. O jogador perde e diz que ganhará a próxima. Não pode ser assim. Não pode aceitar a derrota.
Folha - O senhor foi "professor" na Gávea de jogadores como Marcelinho, Djalminha e Sávio. O que diz para os jovens?
Dida - Uma vez, no infantil, perdemos um jogo e depois, no ônibus, os garotos vinham às gargalhadas. Parei o ônibus e disse: "Não estou entendendo. Levamos porrada e vocês estão gozando. Tem que ficar sem graça, baixar a crista e curtir a derrota". Antigamente, a paixão era maior.
Folha - O senhor ficou magoado por ter sido barrado depois do primeiro jogo da Copa de 58?
Dida - Sim. Treinei como titular e só na hora da preleção do segundo jogo o Feola (técnico) me avisou. Protestei, mas fui contido. Chegavam telegramas pedindo Dida com Pelé. A maior safadeza foi espalharem que eu tinha "amarelado" na estréia. Foi covardia.
Folha - Na sua opinião, qual a seleção de futebol do Flamengo em todos os tempos?
Dida - Vou incluir jogadores que não vi jogar e de quem ouvi falar. Não vou me incluir, ficaria chato, embora ache que esteja nesse time: Garcia (goleiro); Leandro, Domingos da Guia, Mozer e Júnior; Zico, Zizinho, Dequinha e Rubens; Joel e Leônidas da Silva.

LEIA MAIS
sobre o centenário do clube na pág. 1-3

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