São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
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Oxford é a mãe de todas as universidades

DAVID DREW ZINGG
EM OXFORD, BY JOVE!

Esta é a Oxford dos meus sonhos.
É a mãe de todas as universidades de língua inglesa.
Oxford ainda não teve muito tempo para lapidar seu conjunto de tradições estranhas e complicadas -afinal, a universidade só foi aberta no século 12.
Tio Dave sempre quis estudar no lugar onde tantas multidões de grandes políticos, poetas e cientistas burilaram suas mentes, preparando-as para atingir a glória.
Estou hospedado em um aconchegante apartamento britânico com um curioso endereço britânico: Folly Bridge (Ponte dos Desatinos). Que estupendos desatinos não devem ter sido cometidos sobre a ponte situada logo abaixo de minha janela?
Provavelmente alguma linda e virginal princesa viveu uma paixão proibida por um sedutor plebeu. Seu pai, o rei, lhe disse pela última vez que casamentos mistos entre integrantes da família real e plebeus eram "puro desatino".
A princesa, é claro, dirigiu-se ao ponto mais alto da ponte e pulou, pondo um fim trágico a tudo antes mesmo de ter tido a chance de pôr fim a sua virgindade.
Oxford está repleta de hábitos e histórias estranhas.
A universidade é um lugar desconcertante, a começar pelos policiais esdrúxulos que tentam, em vão, controlar os estudantes brincalhões. Os policiais vestem ternos escuros e chapéus-coco. O visitante tem a estranha sensação de estar tratando com um grande grupo de primeiros-ministros britânicos.
Sempre sonhei em estudar em Oxford. Eu não qualificaria um mês passado em Oxford como "estudos", mas temos que nos contentar com o que temos.
Num curto passeio a pé por esta cidade cheia de história, passo pelo lugar onde Edmund Halley descobriu o cometa que levou seu nome. Um pouco adiante fica o edifício onde meu arquiteto favorito, o racionalista Christopher Wren, desenhou seus primeiros projetos.
Intimidado por essa proximidade com tanta grandeza, busco consolo num "pint" de cerveja amarga de Oxford, morna. Mesmo aqui é difícil fugir da grandeza. No pub onde tomo minha cerveja, J.R.R. Tolkien fez suas anotações para a trilogia Hobbit ("O Senhor dos Anéis" etc). Mudo de pub, mas não consigo fugir dos famosos. O outro pub, do outro lado da rua, é onde Thomas Hardy fez suas anotações para "Jude the Obscure".
Perto do meu apartamento há um campo verde inglês onde um jovem professor de matemática de Oxford, de nome Charles Lutwidge Dodgson, aperfeiçoou seus vários manuscritos. Foi aqui que ele deu os retoques finais a uma bagatela não-matemática chamada "Alice no País das Maravilhas".
Dodgson renegou seu potencial de matemático e assinou "Alice" como "Lewis Carroll". Quando uma fã o elogiou e perguntou se havia escrito outros livros, enviou a ela um exemplar de outro livro seu: "As Fórmulas da Trigonometria Plana - Um Tratado Elementar sobre Determinantes".
Toda vez que ando por esta mágica cidade, sinto que estou na companhia de figuras ilustres.
Passeando pelo labirinto de vielas que se entrecruzam entre os edifícios dourados, gastos pelo tempo, me vejo na companhia imaginária de Adam Smith e Edward Gibbon, Jonathan Swift e Roger Bacon, Oscar Wilde, Graham Greene e Evelyn Waugh, T.S. Eliot e Percy Bysshe Shelley. Indira Gandhi e Margaret Thatcher também estudaram aqui. E Oxford pode reivindicar sua fama na Gringolândia devido a um de seus alunos mais atípicos: William H. "Bill" Clinton.
Existe no ar acadêmico de Oxford uma espécie de distração simpática, uma falta de clareza, que é provavelmente resultante de se passar anos vivendo na atmosfera rarefeita dos estudos abstratos de coisas dificilmente pensáveis.
A bicicleta foi inventada cem anos atrás por um inglês, e hoje é o principal meio de transporte em Oxford. Um professor respeitado nesta universidade é conhecido pelo título de "Don". Eis o resultado do encontro de uma bicicleta com um don:
Don idoso: O senhor me faria a gentileza de encher o pneu de minha bicicleta?
Estudante: Certamente, senhor. Acho que seria aconselhável já encher o outro também.
Don idoso: Oh, muito obrigado. Os dois não estão interligados?
No final do século passado Oxford era a grande fonte de idéias do império britânico. Para preparar-se para governar grande parte do mundo, naquela época, o estudante era obrigado a estudar numa Classical Honours School. Esse curso, conhecido pelo apelido de "The Greats" (Os Grandes, referente aos clássicos) estava no auge de seu prestígio. Ter passado por ele era a marca registrada de um homem de educação refinada, e os estudantes que o concluíam saíam dali para governar a nação.
O exame era composto por longas traduções do grego e latim para o inglês e vice-versa, juntamente com questões como estas, tiradas dos exames da faculdade Trinity no ano de 1899:
1) Trace a história da democracia de Siracusa entre a queda de Trasíbulo, em 466 a.C., e o ascensão de Dionísio 1º, em 406 a.C.
2) Até que ponto a história confirma as opiniões de Maquiavel sobre os exércitos mercenários?
3) Sob que aspectos os avanços feitos por Aristóteles na psicologia lhe possibilitaram aperfeiçoar as teorias morais de Platão?
4) Quais são os fundamentos da obrigatoriedade da veracidade?
Você seria capaz de responder qualquer uma dessas perguntas? Supunha-se, na Inglaterra, que um homem capaz de dominar essa gama de pensamentos e idéias seria capaz de dominar qualquer coisa.
Os sentimentos de várias pessoas em relação a Oxford são mistos, como seria de se imaginar. Richard Burton, o grande explorador (que também foi cônsul de sua majestade em Santos) a odiava. Cecil Rhodes, fundador das bolsas de estudo Rhodes, concedidas por Oxford a poucos estudantes selecionados de países do Commonwealth e dos EUA, a amava.
Uma rápida pesquisa científica revela algumas opiniões contraditórias sobre a mãe de todas as universidades:
"Com certeza não existe no mundo lugar que se compare a Oxford. É desesperador conhecer tal lugar e ter que deixá-lo". Nathaniel Hawthorne, 1856
"Eu era um garoto modesto, bem-humorado. Foi Oxford que me tornou insuportável". Max Beerbohm, 1899
"É a melhor coisa da Inglaterra". Henry James, 1909
"Le rheumatisme vert". Alphonse Daudet, 1895.
"Um ótimo lugar". Samuel Pepys, 1668
"Oxford, mãe antiga! Nada te devo!" Thomas de Quincey, 1803
"Eles deviam anunciar este lugar para que as pessoas soubessem que está no mapa". O gordo falando com o magro, em "A Chump at Oxford", 1940
Afinal, é o pensamento que supostamente nos eleva acima de nossos irmãos peludos, os macacos. Foi preciso uma poetisa inteligente, Elizabeth Wordsworth, para captar um indício de como é a atmosfera intelectual daqui:
"Oh, se os bons fossem inteligentes/ E se os inteligentes fossem bons/ O mundo seria um lugar melhor/Do que jamais imaginávamos que pudesse ser/Mas infelizmente eles nunca ou quase nunca/ Se comportam como deveriam/ Pois os bons tratam os inteligentes com dureza/ E os inteligentes são tão rudes com os bons".

Tradução de Clara Allain

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