São Paulo, sábado, 18 de novembro de 1995
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Estudante só pensa em morte

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Cada vez que pensa em alguém, a universitária Silvia Y., 18, imagina que esta pessoa vai morrer. Para salvá-la, tem de repetir o que vinha fazendo quando a idéia lhe veio à mente.
Se está lendo jornal ou um livro e pensa em alguém, sente-se obrigada a reler todo o trecho. Acredita que assim salvará a pessoa.
"Tenho que repetir um ritual para estar certa de que aquela morte não ocorrerá", diz. "Só assim consigo me tranquilizar."
Silvia é uma das pacientes com Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) acompanhadas pelo Instituto de Psiquiatria da USP. Os sintomas começaram há dois anos. Hoje, mesmo com o tratamento, ela ainda não se livrou da ansiedade.
Silvia procura atividades que a mantenham concentrada e evita trabalhos mecânicos, como limpar a casa. "Me vejo pensando na morte das pessoas e tocando muitas coisas ao mesmo tempo. Aí tenho de tocar na vassoura de novo e pensar coisas positivas. Faço isso com o pano de prato, o móvel, as cadeiras. Isso me deixa esgotada."
Silvia diz que evita os espelhos. "Se vejo minha imagem e penso em alguém, tenho de olhar novamente no espelho para evitar que a pessoa morra."
Quando vê um armário aberto, seu subconsciente diz que alguém morrerá se não fechá-lo. Na terapia, Silvia já vem resistindo a esta imagem, mas em casa ainda não teve coragem.
Lúcia T., 27, recebeu alta do Instituto de Psiquiatria há dois meses. Durante dois anos ela viveu em pânico e ao longo de oito meses não teve coragem de sair do quarto. Seu medo: ser contaminada pela raiva.
"Sei que é preciso uma mordida ou um arranhão de animal contaminado para se pegar a doença. Mas eu olhava para um cachorro e já me imaginava com a raiva."
Sempre que se sentia contaminada ou ameaçada, Lúcia lavava as mãos e tomava banhos seguidos. Passava álcool no corpo e nos móveis. "Eu achava que o armário também estava contaminado. Era sofrido e desgastante."
Lúcia tem curso universitário e trabalha com informática. No período pior da crise, ela abandonou tudo, inclusive os amigos. Só a mãe entrava no quarto.
A família tem gatos e cachorros. Ao longo de meses, uma das "lições de casa" passada pelo médico foi se aproximar dos animais.
Antes de procurar o HC, Lúcia diz que passou por psiquiatras e clínicas particulares, sem resultados. "Fiquei desesperada achando que não teria mais cura."
Na lista dos obsessivos compulsivos está um executivo que abria sua própria correspondência para checar se tinha escrito corretamente o que pretendia. E um jovem de 17 anos que não conseguia afastar um pensamento: "eu sou gay, eu sou gay"
(AB)

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