São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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NA PONTA DO LÁPIS

MARCELO LEITE

Pessoa do meu convívio, muito querida e inteligente, arregalou os olhos quando ouviu na TV a revelação de que o ônibus espacial norte-americano Atlantis viajava a 28 mil km/h quando se acoplou à estação espacial russa Mir. Jurei que não estava errado, mas ela fez cara de quem não acreditou.
Quem vê as imagens do lento balé a 394 km do planeta e ouve a informação, assim jogada, pode pensar que realmente se trata de uma grande besteira. Não é. Não só a Atlantis chispava naquela incrível velocidade, como a Mir também -mas ambas em relação à Terra, sobre a qual dão várias voltas por dia, quando em órbita.
Uma em relação à outra, as naves estavam a uma velocidade mínima. É esse movimento delicado que o espectador pode perceber visualmente, porque a câmera lhe oferece a imagem do ponto de vista da Atlantis. É a velha e conhecida ilusão de que o ponto de vista do observador é fixo.
No dia seguinte, quinta-feira, encontrei na Folha a mesma informação quantitativa, com descaso semelhante para a possibilidade de mal-entendidos. Num quadro bem ilustrado com fotos ("Entenda como foi o acoplamento", pág. 1-14), o segundo passo dizia: "O Atlantis se aproxima da Mir a uma velocidade de 28 mil quilômetros por hora".
Não tenho dúvida de que a maioria das pessoas entenderia do que está escrito que o Atlantis avançava sobre a Mir naquela velocidade titânica, equivalente a quase 8 km/s. Por segundo! O resultado não seria mais um acoplamento pós-Guerra Fria, mas a redução dos dois mastodontes siderais a 200 toneladas de pó.
No caso, não se tratou propriamente de um erro, daqueles que engordam a seção Erramos. Foi só incapacidade de informar com clareza -pecado mortal, no jornalismo.

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