São Paulo, terça-feira, 21 de novembro de 1995
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Paixão sem limites

JUCA KFOURI

É impressionante. Por um lado faz bem, por outro, preocupa. A coluna de domingo sob o título "Hoje é bicho certo" motivou uma série de faxes ao "Cartão Verde", todos de santistas.
Felizmente, como é do perfil do espectador do programa, com humor.
É claro que quem escreve para ser lido fica satisfeito quando alcança repercussão pelo que faz. Mas o que preocupa é a constatação de que a paixão impeça a compreensão do que está escrito.
Mais claro é impossível. A inspiração da coluna do último domingo era uma brincadeira atribuída a Pelé sempre que Santos e Corinthians se enfrentavam.
"Ah, o jogo é com o Corinthians. Então o bicho é certo", comemorava antecipadamente o rei.
O raciocínio da coluna passava pela obviedade de que o bicho certo tinha mudado de lado nos últimos tempos, principalmente em jogos decisivos para os dois clubes.
O fato de o jogo ser na Vila Belmiro, porém, era apontado como razão suficiente para não haver favoritismo e a coluna ainda terminava perguntando se Pelé não acordaria com a sensação do bicho certo, como se sugerisse um ligeiro favoritismo ao Santos no Dia Pelé.
Nada disso bastou. Os santistas entenderam que a coluna, só por que escrita por um corintiano, previa a vitória do Timão.
Pois não previa e não é possível que o gabaritado leitor desta Folha, empenhado a ponto de faxear ao "Cartão Verde", perca a capacidade de compreensão tal é o tamanho de sua paixão clubística.
Ou então o colunista anda escrevendo tão mal que não se faz entender, o que ainda é mais preocupante -do ponto de vista do colunista, ao menos.
A coluna adora brincar com o futebol e só assim vê sentido no esporte.
O colunista, mesmo de cabeça inchada pelos acachapantes e merecidos 3 a 0, não perde um segundo de sono pela derrota de seu time de coração.
Ao contrário, acha que 1995 já foi suficientemente generoso com o Corinthians e ficaria muito feliz em ver o Santos campeão novamente como fruto da política de pés no chão preconizada pelo ministro Pelé.
E embora não seja burro a ponto de não perceber que a essência da paixão clubística está na emoção desmedida, é, ao mesmo tempo, suficientemente otimista para sonhar com o dia em que, até nela, haja um limite que permita a prevalência de alguma racionalidade. E viva o Santos!

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