São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 1995
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Oxford tem Jennifers, debates e boa bebida

DAVID DREW ZINGG
EM OXFORD, INGLATERRA

É duro acostumar-se à vida dos estudantes de Oxford.
Os ingleses têm uma ótima palavra para descrever tudo que é desagradável, imundo e/ou feio. Dizem que é "grotty". A palavra evoca alojamentos estudantis pequenos, sujos, gelados, sem aquecimento, num minúsculo cantinho apertado de algum sótão poeirento.
Foi exatamente o que imaginava quando aceitei o convite de minha amiga brasileira, a srta. Estudante de Filosofia, para vir passar algum tempo aqui com ela nesta grandiosa universidade medieval.
Eu imaginava a vida dos pobres estudantes daqui, esfregando pauzinhos para acender uma primitiva fogueira para se aquecer. (É curiosa esta universidade. Quando você entra na grande biblioteca Bodleian pela primeira vez, tem que prestar um juramento solene de que não vai atear fogo ao grande complexo. A biblioteca foi erguida em 1624, algumas centenas de anos antes do advento do aquecimento central.)
Mas Oxford, a universidade, mudou dramaticamente, e a vida de seus estudantes também. A srta. Estudante de Filosofia (que passarei a designar como srta. EF) está instalada num tipo moderno de apartamento, nada "grotty".
Estamos dividindo um apartamento aconchegante, bem aquecido, de dois quartos, com uma vista de cobertura da cabeceira do rio Tâmisa. Se este apartamento estivesse em Sampa, digamos, EF ou tio Dave teriam que ser no mínimo bem-pagos vice-presidentes de um banco internacional para poderem desfrutar de tal luxo primeiro-mundista.
No entanto a srta. EF não passa de uma simples acadêmica visitante, e sua bolsa cobre o custo do apartamento. Ainda sobra o suficiente para comer e, o que é mais importante, para beber.
The Oxford Union é o lugar onde se vai para aprender a governar a Inglaterra. É uma sociedade de debates que, em sua forma e função, segue o modelo do Parlamento britânico. Sete de seus membros acabaram se tornando primeiros-ministros.
A Oxford Union também é o lugar onde se vai para conhecer algumas das mais inteligentes e vivas Jennifers que a Inglaterra tem a nos oferecer. Para te ajudar nesse trabalho desafiador, a Union também mantém um bar de preços muito módicos em suas gloriosas e antigas instalações vitorianas.
A Oxford Union Society foi fundada em 1823. É com toda certeza a mais famosa sociedade dirigida por estudantes na Grã-Bretanha, e provavelmente no mundo inteiro. O ponto alto de suas atividades são os debates semanais que promove.
Esses debates, que seguem o modelo dos procedimentos do Parlamento em Westminster, oferecem aos estudantes um laboratório ímpar para um possível papel futuro na liderança do país. Personalidades de renome mundial vão até o palco da Union só para serem dilacerados pela oposição e pelo público. É o moderno equivalente inglês ao antigo esporte do "bear-baiting", que consistia em instigar cães contra um urso acorrentado.
Um dos mais estimulantes debates deste ano levou o título de "Esta Câmara acredita que os atuais níveis de pornografia são inaceitáveis". A debatedora que atraiu os membros mais ofegantes do público foi uma certa srta. Debee Ashby, uma recente "Garota do Ano" da revista "Penthouse".
O tom básico da Union pode ser inferido do título de outro tema de debate: "Esta Câmara acredita que não há lugar para políticos numa sociedade civilizada".
Não são apenas os bandidos -como os políticos- que vêm para a Union. Veja só alguns desses outros nomes: Diego Maradona, Billy Joel, Mr. Spock e Kermit the Frog (a rã Kermit - deve ser algum personagem de quadrinhos). Ronald Reagan e Richard Nixon também conseguiram entrar de penetras, mas isso já é outra história.
Algumas semanas atrás o ilustre convidado da sociedade foi Malcolm McLaren, ex-empresário dos Sex Pistols, que narrou histórias instigantes sobre seu amigo, o falecido Sid Vicious.
Pouco tempo antes disso os membros da Oxford Union se mostraram favoráveis, por 207 votos a 140, à tese de que nosso planeta já recebeu a visita de extraterrestres.
Outro dia conheci o presidente da Oxford Union Society. Matt Guy tem apenas 20 anos e está cursando o terceiro ano em Oxford. Ele é tão bonito que por um instante passou pela minha cabeça a idéia de trocar de time sexual. A srta. EF, que se tornou sócia pagante vitalícia da Union, também parece estar refletindo sobre a questão, mas desde um ponto de vista mais clássico.
Uma vez eleito, Matt Guy assumiu responsabilidades significativas. Ele precisa escolher e atrair quatro convidados para cada um dos oito debates que são realizados bimestralmente. Tem que levantar e administrar o orçamento anual da Union, que chega a cerca de US$ 750 mil. Seus deveres também incluem administrar uma equipe de 30 funcionários.
As bebidas vêm fluindo livremente por toda a tempestuosa história da Union.
A edição inglesa da revista "Cosmopolitan" fez uma substancial contribuição à manutenção da Union, mas depois que sua editora foi humilhado pelo presidente, dois anos atrás, repensou a questão.
A editora queixou-se de que o então presidente "estava completamente embriagado e não conseguia pronunciar uma sentença inteira". Para agravar a situação, ele usava uma fantasia de palhaço e bebia à vontade sobre o pódio. Enquanto isso, a srta. "Cosmopolitan" era forçada a ouvir chistes sexistas vindos da platéia.
É isso que você ganha por vender o feminismo como se fosse um sabonete, diz o Velho Machista Dave.

"E"
Na semana passada uma garota atraente chamada Leah Betts morreu depois de tomar uma droga.
Hoje em dia uma notícia dessa não faz manchetes em qualquer lugar do mundo. A novidade na morte da srta. Betts é a droga que ela usou.
Aqui na Inglaterra a droga é conhecida simplesmente por "E". O E significa ecstasy, e é um coquetel químico que um número cada vez maior de jovens toma com a mesma naturalidade com que eu bebo um Martini seco antes de uma festa.
Leah tomou seu "E" em sua festa de 18 anos, realizada em casa. Seus pais estavam a seu lado. Segundo a polícia, Leah sentiu-se mal depois de tomar o comprimido e chamou sua mãe. Na Inglaterra inteira, jovens tomam ecstasy com pleno conhecimento de seus pais.
Leah entrou em coma e foi levada ao hospital. Uma semana depois, declarada sua morte cerebral, seus pais autorizaram os médicos a desligarem os aparelhos que mantinham suas funções vitais em operação.
"E" é uma droga fraquinha, amplamente usada neste país. Não é como heroína, cocaína ou crack. É barata e ninguém precisa matar para consegui-la.
"E" está se tornando a grande droga da classe média inglesa. Fique de olho em seu clube local.
A título de informação para qualquer autoridade que porventura venha a ler esta coluna, David Drew Zingg se opõe pessoal e teoricamente a todas as drogas, incluindo a aspirina. Ele já experimentou quase todas e atualmente é usuário da pior de todas, o álcool.

Tradução de Clara Allain

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