São Paulo, quinta-feira, 23 de novembro de 1995
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Fronteiras são horizontes a ultrapassar

MARIO SERGIO CORTELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Erramos: 24/11/95
O grande historiador Arnold Toynbee inicia o capítulo 2 de sua obra A Humanidade e a Mãe-Terra, escrita em 1974, falando sobre o território humano: a biosfera.
Diz Toynbee que "o termo 'biosfera'" foi criado por Teilhard de Chardin. É um termo novo, exigido por nossa chegada a um estágio mais avançado no progresso de nosso conhecimento científico e poder material. A biosfera é uma película de terra firme, água e ar que envolve o globo (ou globo virtual) de nosso planeta Terra. É o único habitat atual -e, tanto quanto podemos prever hoje, é também o único habitat jamais viável de todas as espécies de seres vivos que conhecemos, a humanidade inclusive.
O historiador foi cauteloso quando inseriu um "tanto quanto podemos prever hoje; passados mais de 20 anos, é provável que ele tivesse que rever sua concepção sobre as fronteiras.
Afinal, quais são os limites da territorialização humana? Nossas fronteiras são móveis e nos referimos às fronteiras do conhecimento, às fronteiras da ciência, às fronteiras do espaço, às fronteiras dos países etc., como horizontes a serem ultrapassados...
Foi-se o tempo em que um mapa podia, de maneira categórica, trazer nos seus contornos um "Nec" plus ultra (Não mais além) que, segundo a mitologia grega, Hércules teria gravado nas elevações das atuais Gibraltar e Ceuta, quando as separou para conectar o Mediterrâneo ao Atlântico.
Mas, não é tão romântico assim, e nem dá para ter uma visão triunfalista da nossa racionalidade.
Os deuses não atribuíram a Hércules um 13º trabalho: alargar fronteiras. Essa tarefa muitos humanos abraçaram como se fosse um encargo sagrado e, ao longo da história, ela tem significado muito mais do que simplesmente estender os espaços da humanidade.
Alargar fronteiras tornou-se uma forma de obter novos territórios com seus povos e culturas) e, qualquer que seja o pretexto ou o modo, torná-los dominados, vencidos e conquistados. Não é casual que em muitos idiomas (o português entre eles) alguns vocábulos que serviam originalmente para designar aqueles que não pertenciam ao povo que fosse mais poderoso, acabaram por adquirir uma conotação pejorativa.
Gregos e, depois os romanos, referiam-se aos estrangeiros na Antiguidade como bárbaros (que hoje é sinônimo de cruel); o termo vândalo, designação do povo de origem germânica que no século 5 avançou sobre domínios anteriormente conquistados pelos romanos, transmutou-se em sinal de brutalidade, gerando inclusive a expressão vandalismo. O que não dizer da expressão selvagem, oriunda daqueles que viviam na cidade e que, ao invadirem as selvas do "Novo Mundo", nominaram como selvagens seus habitantes, ganhando esta expressão o sentido de violentos, incultos, sem urbanidade. Isso tudo sem esquecer o termo desbravador, tão caro a muitos de nossos autores de livros de História quando mencionam alguns heróis nacionais, e que, em última instância, é somente uma maneira de camuflar a extinção dos bravos que reagiam furiosamente à destruição de suas culturas, religiões e territórios.
Em texto de 1855, de autoria atribuída ao Chefe Seattle e que teria sido enviado ao então presidente Franklin Pierce, está escrito: "O homem vermelho sempre temeu o avanço do homem branco... Sabemos que o homem branco não entende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, como um forasteiro que vem à noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, continua simplesmente seu caminho... Trata sua mãe, sua terra, seu irmão, e o céu, como coisas para serem compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou contas coloridas. Seu apetite devorará a terra e deixará somente um deserto... Isto sabemos. Todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a terra, recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu a trama da vida; ele é meramente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido fará a si mesmo".
No seu Opiário, F. Pessoa/Álvaro de Campos diz:" Eu acho que não vale a pena ter/ Ido ao Oriente e visto a Índia e a China./ A terra é semelhante e pequenina/ E há só uma maneira de viver". Será?

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