São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 1995
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O fantasma da ópera

JOSÉ SARNEY

Há no cenário nacional algumas manifestações misteriosas que necessitam de exorcismos.
Li em Tobias Monteiro, no seu "Pesquisas e Depoimentos", livro publicado no princípio da República, que no império, dizia um estadista nosso, havia um diabo que costumava conturbar as coisas e ninguém descobria.
Quando tudo ia bem, eis que ele aparecia e desarrumava tudo. Era a tempestade, tomava-se a nuvem por Juno e então nascia a frase que rezava que a política era como nuvem, mudava a cada olhar e no ângulo do qual se olhava, conceito este, nos tempos atuais, atribuído a Magalhães Pinto.
No Palácio do Planalto havia há uns 20 anos, no gabinete do chefe da Casa Civil, o retrato de uma velha, pele encolhida, olhar morto, cabelos brancos e postura misteriosa.
Começaram a acontecer coisas, crises, dessas que vêm como tempestade, rápida, com ventos fortes. O general Golberi, quando viu o retrato e surgiram vários problemas inesperados, ele disse: "É essa velha."
E pediu à dona Lourdinha -criatura humana e boa- que sumisse com o horrível quadro da "Velha Bruxa".
Quando assumi a Presidência, a primeira coisa que perguntei foi: "Onde está a velha"? Responderam-me: "Fora do Palácio. Guardada nos porões".
Fiquei mais tranquilo, mas não tanto. Há sempre diabos nos palácios onde está o poder.
Vejam o que acontece, agora. "Grampeiam-se" telefones, quebram-se lustres... E tudo, que ia tão bem, de tal modo que o presidente dizia que governar era fácil, excelente, coisa divertida e boa, se complica.
Quem teria feito essas diabruras no Palácio do Planalto, perto do presidente, um episódio que se comunga a todos os cidadãos, com medo de serem "grampeados", já que dessa perda da privacidade não escaparam nem os telefones de seus mais estreitos colaboradores e dele mesmo?
O dispositivo constitucional que garantia o direito à privacidade transformou-se no instrumento que acaba com ele mesmo e legaliza tudo num despacho judicial, nascido de denúncia "anônima".
Quem teria feito tal coisa? É necessário descobrir esse fantasma da ópera que está fazendo essas diabruras terríveis na praça dos Três Poderes. Quem é, eis o mistério, descoberto pela primeira vez por Gaston Leroux.
Eu, de minha parte, consolidei a definição que sempre tive sobre telefone: uma maravilha descoberta por Graham Bell para a gente não falar.

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