São Paulo, sábado, 25 de novembro de 1995
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Emílio di Biasi não representa perigo

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Na estréia do monólogo "A Noite de Harry", anteontem no Centro Cultural São Paulo, mal entrou Emílio di Biasi no palco e alguém brincou na platéia, "plim, plim". Não houve terceiro sinal, mas "plim, plim".
A platéia também era outra, diferente das costumeiras no teatro. Eram "starlets" de todos os sexos, faces jovens já vistas ou que estão para ser vistas ou que sonham ser vistas em novela.
Daí o "plim, plim". Daí também a obsessão do espetáculo com a televisão, que não só está presente, fisicamente, no palco, e ligada, como recebe todo gênero de ofensa. A platéia da estréia, é certo, delira.
"Máquina de raios malévolos", grita o ator, e a platéia delira. "Está cansada de ver televisão? Eu também, estou cheio", e a platéia dá gargalhadas. "A novela vai começar... merda... merda... merda..." e a platéia delira com as ofensas à novela.
A impressão é de estar em outro mundo. É o mundo, imagina-se, do chamado Departamento de Recursos Artísticos (sic) da TV Globo, de que Emílio di Biasi é coordenador. Daí a platéia, daí a televisão, as piadas e o dramalhão.
Mas onde é que entra Steven Berkoff na história?
Emílio di Biasi é um artista de grande experiência no teatro. Passou pelo Oficina e pelo Royal Court de Londres nos anos 60. Três anos atrás, em São Paulo, dirigiu e redescobriu "Dois Perdidos numa noite Suja", de Plínio Marcos, em montagem de extrema sensibilidade.
É o que parece buscar, mais do que qualquer outra coisa, em "O Natal de Harry", de Berkoff. Mas quem viu o próprio, por exemplo, em "Dog", ano passado em São Paulo, tem certa dificuldade com o ator Emílio di Biasi.
O inglês é um virtuose, que entra em cena e tira graça e risos e idéias da imitação tresloucada de um cachorro.
É também um iconoclasta da vida britânica, agressivo e incontrolável.
Emílio di Biasi, como ator, é inteiramente outra coisa, ainda que pareça buscar algo nesta direção, no papel do solitário Harry.
No primeiro terço da apresentação, parece mesmo estar copiando a interpretação de Steven Berkoff, com resultados muito frágeis -sem a comunicação aberta que é o centro do gênero.
Emílio di Biasi representa.
Não tem a espontaneidade e a agressividade exigidas na comédia "stand-up", que fez história em Londres nos anos 80 e que está na base deste "Harry's Christmas" ou "O Natal de Harry".
Emílio di Biasi, ao contrário de Steven Berkoff -ou de Pedro Cardoso, para ficar mais perto- não é perigoso.
Por outro lado, quando a peça vai entrando pela tragédia -a tragédia da solidão- o resultado é drama, dramalhão, já que o ator brasileiro não consegue pontuar a carga do suicídio que se aproxima com humor, como o ator inglês faz com tanta facilidade.
E Steven Berkoff, capaz de enriquecer em contradições e subtexto as cenas mais conhecidas, como sabe quem leu o já quase clássico "I am Hamlet", enfrenta e vence facilmente os equívocos de sua própria dramaturgia, o que não acontece com Emílio di Biasi, no palco, como ator.

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