São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Reage rico

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O trocadilho do título, que alguém já fez com a passeata Reage Rio, programada para depois de amanhã, é um bom chiste e -embora a adesão à marcha não se limite a ricos e classe média- realça a causa básica da violência em nossos dias: a convivência contrastante da opulência com a miséria, do bem-estar com o sofrimento.
Pesquisas demonstram que, salvo variáveis como conflitos étnicos ou religiosos, quanto mais homogêneas as sociedades -ainda que dentro de limites de baixa renda- são menores os índices de violência. Quanto mais desiguais, maiores.
A questão central, portanto, e isso é elementar, está na justaposição conflituosa, no Rio aguçada pela topografia da cidade, de despossuídos e integrados. O teatro de guerra carioca, com a favela ao lado do duplex, é um pouco semelhante com a cena montada pelo desequilíbrio Norte-Sul -as hordas do Terceiro Mundo ocupando a cidade bacana européia, querendo comer por dentro e não pelas beiradas.
Mas o que significa paz para os diversos grupos em conflito no Rio? O que quer Ipanema, o que quer a Rocinha, o que quer a Barra e o que quer o Chapéu Mangueira?
A grã-fina de Mercedes, que foi tomar picolé na passeata dos cem mil (o que diria Nelson Rodrigues dessa manifestação?), vai estacionar na esquina e sonhar com polícia eficiente, repressão ao crime, Justiça ágil, cadeia e, quem sabe, pena de morte.
O crioulo esculpido em suor, destentado e endossando o manto rubro-negro dificilmente dará as caras. Se der, vai pensando que mereceria emprego, perspectiva de vida, escola, saúde, fim das batidas policiais arbitrárias e das disputas entre quadrilhas nas favelas (a propósito, pesquisa da socióloga Alba Zaluar mostra que conflitos entre grupos do tráfico matam mais do que batidas da polícia, o que desmitifica a imagem idílica do morro com sinfonias de pardais anunciando o alvorecer. Há muito tempo o canto horripilante das metralhadoras emudeceu a canção).
Verdes e bronzeados irão marchar na Candelária com um propósito quase terapêutico, acreditando que é preciso criar uma atitude mental "positiva" na cidade, desarmar espíritos e, como se diz, "melhorar o astral".
Ou a sociedade e os governos cariocas resolvem abrir mão de projetos de iluminação da orla, calçadas de cimento em Copacabana e outras presepadas em favor de programas consistentes de investimento nas favelas -com perspectiva de longo prazo- ou o problema não vai ser resolvido.
Pode-se melhorar a polícia, afinar a Justiça, perseguir o crime organizado -a paz no Rio não existirá enquanto a diferença social for um apelo clamoroso à guerra.

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