São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Posse de imóvel não significa conforto

VICTOR AGOSTINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ser proprietário de um imóvel em São Paulo não significa viver com conforto.
Exemplo disso é o paulistano que mora mal na periferia da cidade, apesar de ter, de alguma forma, a posse de sua casa.
Ainda outro exemplo é o habitante de distritos das áreas centrais (Consolação, Bela Vista e até Jardim Paulista), onde o aluguel prevalece, mas o conforto é maior.
Deixando de fora a São Paulo "institucional" -a das avenidas Paulista e Faria Lima e do parque Ibirapuera-, a cidade que o estudo da PUC (Pontifícia Universidade Católica) apresenta é desconfortável para seus moradores.
Como parâmetro de conforto os pesquisadores adotaram, entre outros fatores, a quantidade de banheiros nos domicílios, de pessoas que usam os banheiros, a quantidade de quartos por domicílio e a de pessoas por quarto.
Isso resultou em dois índices: de conforto e de propriedade domiciliar. Os índices variam de -100 a +100 (veja mapas abaixo).
Segundo o estudo da PUC, três distritos paulistanos nem sequer chegam a ter um banheiro por domicílio. Os "recém-fundados" (começaram a surgir na década de 70) distritos de Lajeado e Jardim Helena (zona leste) e o tradicional Brás (centro) registram, respectivamente, a média de 0,98, 0,99 e 0,92 banheiro por domicílio.
O cortiço Casarão, no Brás, que no começo do século era uma delegacia, ajuda a entender os números. Ali vivem 32 famílias -cerca de cem pessoas-, que contam com apenas quatro banheiros.
Ou seja, 25 pessoas utilizam cada banheiro. As condições de higiene são precárias, embora cada dia uma das famílias tenha a incumbência de lavar o local.
A cozinheira aposentada Lázara Soares, 62, há 20 anos no cortiço, conta que "às vezes forma uma filinha".
Já a faxineira Constância Gonçalves Costa, 44, que divide há 11 anos com o marido e oito filhos a cela que virou cômodo no Casarão, diz não ter do que reclamar sobre o uso do banheiro. "Às vezes demora um pouco para poder usar, mas vou fazer o quê?", pergunta Constância.
Se a média de banheiros por domicílio no Brás é a pior da cidade, a média de pessoas por banheiro não é tão ruim assim (3,28).
Lajeado, por exemplo, registra 4,45 pessoas para cada banheiro e Jardim Santa Helena, 4,34 -quase o mesmo que a média nos apartamentos do Projeto Cingapura (de urbanização de favelas), onde 4,33 pessoas usam cada banheiro.
O oposto do Brás em número de banheiros por domicílios é o Morumbi, cuja média é de quase três banheiros (2,8) por casa.
O músico e engenheiro de som Jorge Poulsen, 37, é um exemplo de paulistano que prefere pagar aluguel e morar melhor.
Ele deixou no mês retrasado a condição de proprietário para assumir posição de inquilino.
Não dá para dizer que foi uma decisão premeditada, mas, na prática, Poulsen trocou a casa própria, apertada, pelo conforto de um imóvel alugado. Ele havia comprado uma casa de dois dormitórios, na Vila Mariana (zona sul), e estava pagando à Caixa Econômica Federal o financiamento do imóvel.
"Quando a prestação chegou a R$ 1.000 e dava sinais que iria aumentar ainda mais, achei que era o momento de voltar ao aluguel", diz o músico.
Ele e a mulher Alzira gastam hoje com o aluguel o dobro da prestação mas, em compensação, moram numa casa no Alto de Pinheiros (zona oeste), cerca de quatro vezes maior e bem mais confortável do que a "casinha" que eles estavam comprando.
Na casa dos Poulsen, a taxa de ocupação é de 0,25 pessoa por quarto. No distrito onde moram, a taxa é de 1,53 pessoa/quarto.
O estudo da PUC derrubou o mito de que, necessariamente, quem mora pagando aluguel vive em desconforto. Além disso, os números confirmaram o que já vinha sendo constatado: a falta de incentivos para a construção de imóveis de aluguel e os altos preços dos terrenos nas áreas centrais levaram a população para a periferia da cidade.
A história recente de São Paulo mostra que a invasão do subúrbio, que começou nos anos 40, se acentuou nos anos 60 e 70.
Depois de 64, ainda que irregulares e até mesmo ilegais, os loteamentos clandestinos começaram a representar a saída para a moradia. Quem mora nesses loteamentos ou em favelas afirma que a casa ou barraco são seus, apesar de não haver, na maior parte das vezes, escritura registrada em cartório.
O que leva os moradores a acreditar que o imóvel é seu é o fato de eles terem pago a construção da casa ou terem comprado irregularmente o terreno.

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