São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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A VOZ QUE EMBALOU TODAS AS EMOÇÕES

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

No dia 12 de dezembro, quando escurecer em Nova York, o Empire State, o segundo edifício mais alto da cidade, será todo iluminado de azul. Isso nunca aconteceu, e só está acontecendo agora porque no dia 12 de dezembro Frank Sinatra completa 80 anos. De todas as homenagens que lhe estão sendo prestadas, aquela promete ser a mais extravagante. Ou a mais hiperbólica, para usar a palavra que melhor qualifica o que costumam dizer e escrever a seu respeito:
Sinatra, "o melhor cantor do mundo"; Sinatra, "o cantor mais sensível"; Sinatra, "o cantor mais romântico"; Sinatra, "o cantor mais inteligente"; Sinatra, "o Toscanini da música popular" (assim falou Tony Bennett num tributo ao aniversariante, domingo passado, em Los Angeles).
Não há o que discutir: Sinatra cantou as melhores canções, trabalhou com os melhores músicos e teve os melhores arranjadores. Com seu fraseado impecavelmente coloquial e sua dicção perfeita, transformou bijuterias musicais em diamantes. Certo, Bing Crosby veio antes e modernizou o estilo de cantar, mas não era tão atento às nuanças das letras nem tão intenso e sutil em suas interpretações. Fred Astaire foi sem dúvida um intérprete genial, mas não tinha os mesmos recursos vocais de Sinatra, que aliás jura ter aprendido tudo de que necessitava com Billie Holiday.
Ele só passou a ser chamado de "Os Velhos Azuis" depois que sua voz, esgarçada pelos anos, pela bebida e pelo fumo, começou a esfiapar. Até então, com todos os méritos, ele era conhecido, simplesmente, como "The Voice" (A Voz). Talvez a mais perfeita voz de barítono que a música popular já conheceu.
Todos os cantores tentam dar a impressão de que estão cantando exclusivamente para cada uma das pessoas que o escutam, só Sinatra, no entanto, parece ter conseguido este milagre. Não foi seu único milagre. Nem o primeiro.
O primeiro foi ter sobrevivido ao parto complicado que o trouxe ao mundo a 12 de dezembro de 1915, na pequena cidade de Hoboken (Nova Jersey). O fórceps perfurou-lhe um dos tímpanos, lacerou uma de suas orelhas e deixou em seu rosto uma eterna cicatriz. Culpada, Dolly, a supermamma de Francis Albert Sinatra, empenhou-se em mimar seu bendito fruto até o fim da vida.
Para desgosto de Dolly, seu "bambino" preferia jogar sinuca e ouvir Rudy Vallee, Russ Colombo e Bing Crosby no rádio a estudar. Aos 16 anos, largou a escola. Mas nem ao menos se profissionalizou como jogador de sinuca. Preferiu seguir as pegadas de seus ídolos radiofônicos. Cantou em casamentos, em clubes de quinta categoria, montou um quarteto vocal, ganhou um concurso de calouros, e só sossegou quando Harry James, recém-saído da orquestra de Benny Goodman, o contratou como vocalista de sua própria banda.
Nascia ali o mito Sinatra.
Durante a guerra, nenhum cantor eletrizou tanto suas fãs quanto Sinatra. Suas duas primeiras apresentações no teatro Paramount, de Nova York, em 1943 e 1944, acabaram virando caso de polícia depois que 25 mil indóceis adolescentes bloquearam, aos gritos, as ruas que cercam a Times Square.
Com o fim da guerra, as big bands se foram. Ele ficou. Alforriado por Dorsey, seu segundo bandleader, emplacou 86 hits nos dez anos (1943-1952) em que gravou na Columbia. As moças ouviam "Five Minutes More", "You'll Never Know", "They Say It's Wonderful" e se derretiam. Os marmanjos, conformados, limitavam-se a invejar o cantor e suas conquistas amorosas.
"Acho que Frank Sinatra foi o homem mais odiado da Segunda Guerra Mundial, muito mais do que Hitler" -disse o escritor William Manchester, que serviu como fuzileiro e quase morreu em Guadalcanal- "porque nós no Pacífico não tivemos qualquer mulher durante dois anos, mas víamos fotografias de Sinatra cercado por todas aquelas garotas entusiasmadas".
Entre aquelas garotas não figurava Nancy Barbato, a primeira mulher do cantor, mãe de seus três filhos (Nancy, Frank Jr. e Cristina), constantemente corneada -e mais às escâncaras quando seu marido se enrabichou por Ava Gardner, a maior paixão de sua vida. Por ela, Sinatra abriu mão de tudo, até do sucesso.
Viviam às turras, dilacerando-se em ciumeiras nem sempre justificadas, de parte a parte. No final ela já estava tão cheia dele que até provocou um aborto, em meio as filmagens de "Mogambo". A separação foi dolorosíssima, exorcizada pelo cantor em disco ("I'm A Fool To Want You", gravado em março de 1951) e com uma frustrada tentativa de suicídio. Nunca deixaram de ser amigos. Para todas as horas. Foi mais com a ajuda de Ava do que graças ao prestígio da máfia junto a Harry Cohn, chefão da Paramount, que Sinatra obteve o papel de Maggio em "A Um Passo da Eternidade", e tirou o pé do lodo.
Qual o segredo do d. Juan de Hoboken? Beleza física não era. Para ganhar glamour na tela teve de usar peruca, disfarçar a cicatriz com maquiagem, puxar as orelhas para trás e prendê-las com fita adesiva. Mal provido na região glútea, vestia calças especiais com fundilhos acolchoados. Compensava essas deficiências com muito charme, um timbre de voz afrodisíaco e um talento formidável para flechar corações com inesperados buquês de flores, presentes milionários e serenatas "au grand complet", ou seja, com orquestra e tudo.
Generoso com os amigos, sempre exigiu deles fidelidade irrestrita. Comporta-se como um "capo" à frente de uma patota de que já fizeram parte Humphrey Bogart, Lauren Bacall, Judy Garland, Sammy Davis Jr., Dean Martin e Peter Lawford. Por meio deste enturmou-se com a família Kennedy e, consequentemente, com a Casa Branca, que não deixou de frequentar depois que os democratas de lá saíram. Quando nada porque virou republicano de carteirinha e comensal de Richard Nixon, Spiro T. Agnew e Ronald Reagan.
Também ganhou fama como mafioso, estopim de frequentes bafafás com a imprensa e principal motivo de seu afastamento dos Kennedy. Temperamental e violento, perdeu a conta de quantos atores, jornalistas, fotógrafos e até fãs e namoradas esmurrou quando ainda tinha forças para isso. Sempre foi franzino, mas seus capangas eram armários de carne e osso. A polícia? O "self-made macho" comprava.
Anos atrás um de seus íntimos lhe jogou na cara o seguinte desabafo: "Frank, como artista você é o máximo. Como homem, é um lixo". Sinatra reagiu com apenas seis palavras: "Eu sou aquilo que pude ser".
Quem conhece as suas magistrais gravações na Capitol sabe o quanto ele conseguiu ser com um microfone na mão. O grande e insuperável Sinatra não é o de "New York, New York" e "My Way", duas cretinices musicais, muito menos o de "Duets", mas o que comove até as pedras nas faixas de "In the Wee Small Hours" (1955), "Songs For Swingin' Lovers" (1956) e "Only the Lonely" (1958), as suas Capelas Sistinas. Happy birthday, "Velhos Olhos Azuis".

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