São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 1995
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Fatos derrubam fantasias do Planalto

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O escândalo do grampo produziu fundo arranhão na credibilidade do governo. Na tentativa de explicar-se, o Planalto criou na semana passada uma fantasia. E, para sustentá-la até o final, desfiou um rosário de sete versões que não se sustentam nos fatos e, às vezes, são contraditórias entre si.
Fernando Henrique Cardoso vê-se agora diante da contingência de ter de demitir mais dois auxiliares: seu amigo Francisco Graziano, presidente do Incra, e Vicente Chelotti, diretor da Polícia Federal e amigo pessoal de Nelson Jobim, ministro da Justiça.
A fantasia em que se enredou o governo começou a ser produzida no próprio Palácio do Planalto, com a participação direta do presidente. Depois de tentar, sem sucesso, ocultar o escândalo da opinião pública, o Planalto inverteu datas, omitiu personagens e criou uma situação inexistente.
Na Brasília imaginária engendrada no Planalto, havia um presidente que, submetido a grave crise, agiu pronta e rapidamente, sacrificando um amigo (Júlio César Gomes dos Santos) e um ministro militar (Mauro Gandra).
Na capital real, que começa agora a vir à tona, há um Fernando Henrique hesitante, desgastado e nervoso. Quanto à imagem do governo, perdeu o viço reluzente que exibia antes do caso do grampo.
Abaixo, a sequência de versões que enrolaram o governo.
Versão 1 - Fernando Henrique autorizou seu porta-voz, Sergio Amaral, a informar aos jornalistas que só no dia 13 de novembro recebera o relatório da Polícia Federal com a transcrição dos diálogos desabonadores do chefe do cerimonial da Presidência.
Fato - O relatório chegou às mãos do presidente, na verdade, no fim da tarde do dia 9 de novembro.
Versão 2 - Sergio Amaral também informou, sempre sob orientação de Fernando Henrique, que o relatório da polícia foi levado ao Planalto pelo ministro da Justiça, Nelson Jobim.
Fato - O verdadeiro portador da papelada foi Francisco Graziano, presidente do Incra, amigo de Fernando Henrique e inimigo de Júlio César.
Versão 3 - Em encontro com parlamentares, no Alvorada, Fernando Henrique vangloriou-se: disse ter afastado um amigo, Júlio César, e um ministro militar, Mauro Gandra.
Fato - Em verdade, ambos pediram para sair, como o próprio presidente reconheceria mais tarde. Júlio César, de resto, ainda não teve a indicação para a embaixada no México retirada. A transferência foi apenas posta na geladeira.
Versão 4 - Orientado por Jobim, o assessor de imprensa da pasta da Justiça, Paulo Félix, distribuiu aos jornais versão que ratificava as inverdades do Planalto.
Fato - A verdade expunha um Jobim em situação vexatória. Com a Polícia Federal sob seu comando, sabia menos do que o presidente do Incra.
Versão 5 - Paulo Félix difundiu também a história segundo a qual a investigação sobre Júlio César nasceu de denúncias anônimas que o envolviam com narcotráfico.
Fato - A versão foi criada pela polícia para ludibriar a Justiça e arrancar de um juiz de Brasília autorização para bisbilhotar o telefone do chefe do cerimonial da Presidência.
Versão 6 - Súbito, o fotógrafo Mino Pedrosa, dono da Agência "Free-Press", surge do nada para revelar que fora ele a fonte da revista "IstoÉ". Teria obtido as fitas junto a amigos da PF e as repassado para a revista. Só depois, no dia 14, ele as teria repassado para Augusto Fonseca, seu sócio e assessor de imprensa de Graziano.
As declarações de Mino serviram de escada para que o governo prosseguisse em sua escalada de inverdades. Aproveitando a deixa providencial, Fonseca, como que interessado em retirar o foco do chefe, disse que, no dia 14, entregara o material a Graziano.
Fato - O próprio Graziano admitiu depois que entregou o resultado da escuta a FHC no dia 9 e disse tê-la recebido de Paulo Chelotti.
Na última das tentativas do governo de confundir, a versão vem depois do fato:
Fato - Graziano foi, afinal, arrancado da sombra pelo ministro da Justiça. Em diálogo com um grupo de jornalistas, Jobim resolveu contar a verdadeira participação do presidente do Incra no episódio.
Versão 7 - Coube então a Graziano produzir a versão fantasiosa seguinte. Em nota à imprensa, reconheceu ter entregue o documento a Fernando Henrique no dia 9. Disse tê-lo recebido de Paulo Chelotti, agente da PF e seu assessor. Omitiu seu envolvimento na trama que conduziu à investigação em torno de Júlio César.

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