São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 1995
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Espectador é a esfinge do cinema

Menosprezo marcou a emoção na sala

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Uma rara coincidência de declarações, na semana passada, entre dois visitantes internacionais, um renomado cineasta e um crítico conceituado, recuperam atualidade para uma interessante pesquisa Datafolha publicada há algumas semanas. Com um dia de diferença, sem um ouvir o outro e partindo de circunstâncias muito distintas, o diretor húngaro István Szabó e o pesquisador alemão Walter Schobert defenderam o cinema como uma arte antes de tudo da emoção -exatamente o ponto do levantamento citado.
O diretor de "Mephisto" definiu-se como um "contador de histórias" que almeja prioritariamente enternecer a audiência. "O coração e o sexo do público são o meu alvo", resumiu. "O debate pode acontecer no café depois do filme. Na sala, quero emocionar".
Falando sobre o cinema mudo alemão, o diretor do Museu de Cinema de Frankfurt, Walter Schobert, curiosamente bateu na mesma tecla. "As pessoas iam ao cinema para se emocionar e não apenas para ver histórias", lembrou. Todas as análises da produção alemã do período concentram-se sobre duas dezenas de filmes, aqueles com maiores pretensões estéticas, deixando de lado as milhares de fitas populares que efetivamente lotavam as salas.
Schobert tomou dois gigantes literários como exemplo. "Kafka ia ao cinema todos os dias. Não quis ir ver 'O Gabinete do Dr. Caligari'. Escreveu no diário: 'Fui ver 'Cocota'. Chorei'. Thomas Mann deixou um depoimento na mesma linha: "Vou ao cinema para me emocionar. Para encontrar arte, faço-a eu mesmo".
É exatamente uma pesquisa sobre o "apelo emocional" do cinema, focalizando os áureos anos 20 da produção alemã, que Schobert pretende desenvolver. Como explicou, seria algo entre o enfoque sociológico de Siegfried Kracauer ("De Caligari a Hitler") e a crítica estilística de Lotte Eisner ("A Tela Demoníaca"). Schobert quer desvendar a magia do cinema dando voz à platéia.
Uma tentativa semelhante foi realizada pelo Datafolha, numa pesquisa com o público de cinema da cidade de São Paulo. O resultado não poderia estar mais sintonizado com a defesa do cinema de emoções: o arranca-lágrimas "Ghost -Do Outro Lado da Vida" (1990) é o que filme que mais marcou a vida dos paulistanos, seguido do mais clássico épico de Hollywood, "E O Vento Levou" (1939).
Com notável coerência, o maior manipulador de sentimentos do cinema contemporâneo, Steven Spielberg ("E.T."), foi eleito o melhor diretor de cinema estrangeiro, por 18% dos entrevistados, seis vezes mais do que o segundo colocado (Francis Ford Coppola). É quase desnecessário lembrar que, em pesquisas com críticos, aqui ou no exterior, Spielberg raramente ocupa altos postos no ranking.
A pluralidade estilística tem sido uma das forças propulsoras do cinema e a ela historiadores e críticos têm dedicado o melhor de suas energias. Infelizmente, o mesmo empenho raras vezes se direcionou ao exame do fascínio popular do cinema. O espectador é ainda a grande esfinge deste século de filmes.

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