São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 1995
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Seguros _pra refrescar a memória

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Na longa história da atividade seguradora nacional, nunca o mercado amargou prejuízos tão vultosos como os do ano de 1993. Praticamente todas as seguradoras tiveram prejuízos operacionais muito altos, encerrando o exercício descapitalizadas, mesmo com extraordinários ganhos financeiros consequentes da correção monetária.
Esse prejuízo atingiu algumas centenas de milhões de dólares, ultrapassando os 10% do total de prêmios arrecadados durante o ano, e se estendeu pelo primeiro semestre de 1994, com resultados ainda piores. Não fosse o sucesso do Plano Real e a explosão de consumo verificada após a sua implantação, o ano de 1994 teria sido negro para o setor.
Esse prejuízo teve uma causa bastante simples e sobejamente conhecida: "dumping". Quer dizer, baixar os preços além do mínimo necessário para fazer frente aos custos, numa tentativa nem sempre bem-sucedida de aumentar a respectiva fatia de mercado.
Os descontos começaram há mais ou menos dez anos atrás, quando a Susep (Superintendência de Seguros Privados) desregulamentou as carteiras de vida, automóveis e incêndio, extinguindo as tarifas obrigatórias das duas primeiras e permitindo a concessão de descontos comerciais ilimitados na terceira.
De início, parecia que o mercado iria se ajustar apenas aos patamares realmente praticados, trazendo uma transparência indispensável para uma atividade que, por excesso de regulamentação, vinha encontrando formas alternativas para baixar os seus preços, regulamentados por uma legislação arcaica, que dava ao Instituto de Resseguros do Brasil um poder normativo excessivo e que ele usava para simplificar a sua vida, desconsiderando as particularidades envolvidas em cada negócio.
Essa linha moderada de atuação foi fruto da conversa entre as principais seguradoras, que criaram uma espécie de tarifa referencial de automóveis, que deveria ser adotada nos negócios de varejo e servir de base para o cálculo das apólices para frotas. No campo do seguro de incêndio, os descontos começaram a crescer de forma rápida nas grandes contas, mas se mantiveram estáveis nas contas médias e pequenas, que só foram realmente desregulamentadas com os pacotes multirriscos.
Apesar de os prejuízos operacionais começarem a crescer de ano para ano, até 1991 a situação ainda estava sob controle, com os ganhos financeiros sendo suficientes para cobrir os prejuízos com o negócio e remunerar adequadamente os acionistas.
Nessa época, a tarifa referencial de automóveis foi esquecida por algumas seguradoras dispostas a crescer, que não hesitaram em baixar os seus preços nessa carteira e conceder descontos elevados nas apólices de incêndio.
Em pouco tempo, as duas práticas se alastraram como fogo em campo seco, terminando por levar o mercado aos enormes prejuízos de 1993 e do primeiro semestre de 1994. A situação só não chegou a um ponto crítico porque, mais uma vez, as grandes seguradoras de automóveis, vendo que o quadro não prognosticava um futuro bom, decidiram reeditar a tarifa referencial que dera tão certo alguns anos antes e porque o Plano Real não congelou a economia, permitindo que os prêmios subissem mesmo depois da sua implantação.
A atividade seguradora tem uma particularidade interessante: os seus prejuízos só aparecem um ano depois da contratação das apólices. Isso é resultado da obrigação do diferimento dos prêmios por todo o período de vigência do seguro, que no Brasil é anual. Assim, a grande virada verificada em 1994 ainda está influenciando os resultados das companhias de seguros, que em 1995 devem apresentar os melhores balanços de toda a sua história.
Mas a virada tem algumas causas absolutamente claras e que não podem ser esquecidas pelos executivos de seguros. A primeira e principal delas foi a estabilização da moeda; a segunda, consequência direta da primeira, foi a procura por planos de seguros de vida e previdência privada; e a terceira, a falência do serviço médico-hospitalar público, que continua jogando a população nos planos de saúde privados. Em complemento a essas três realidades, o Plano Real ainda ajudou as seguradoras, derrubando o preço dos automóveis e, consequentemente, o valor unitário das indenizações.
O resultado dessa série de fatores pode ser conferido nos balanços do primeiro semestre deste ano. Nunca as seguradoras ganharam tanto dinheiro como neste período. Só que, agora, o mercado se vê de novo ameaçado por uma guerra de preços tão tola quanto todas as anteriores, mas capaz de causar danos muito maiores do que os do passado recente.
Os pacotes de seguros multirrisco continuam com prêmios muito baixos. Para dar um exemplo, algumas seguradoras precisam fazer o seguro de 10 mil prédios para pagar a indenização de um único que sofra uma perda total!
Se a guerra de preços prosseguir no ritmo em que vai, em automóveis também 1996 será um ano negro para o setor, que já cresce numa velocidade menor e com margens extremamente apertadas. Mais do que nunca, é hora de prestar atenção para que os sucessos do segundo semestre de 94 e primeiro semestre de 95 não sejam comprometidos por pura bobagem.

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