São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 1995
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Estarrecedor

ANDRÉ LARA RESENDE

O que tem sido dito de bobagem sobre a intervenção no Nacional não é brincadeira. Antes de mais nada, é preciso entender a diferença entre um problema de liquidez e um problema patrimonial num banco em dificuldades.
O primeiro decorre de uma perda imprevista de depósitos, sem que o banco tenha condições de contrair seus empréstimos, ou qualquer outra conta de seus ativos, na mesma proporção e velocidade.
Nesses casos, o Banco Central, como emprestador de última instância, tem o dever de redescontar os créditos e evitar que uma corrida especulativa se transforme num problema real. Uma vez certificada a qualidade dos ativos, o volume de recursos emprestado não é relevante.
O caso do chamado patrimônio descoberto é completamente diferente: o banco não tem ativos de boa qualidade suficientes para cobrir seus compromissos com os depositantes e, além do mais, o volume de ativos de má qualidade é superior à totalidade do seu patrimônio. O banco está, portanto, quebrado.
Alguém tem de pagar a conta. Podem ser os acionistas, obrigados a aportar recursos e aumentar o capital para cobrir o buraco patrimonial. Podem ser os depositantes que, uma vez liquidado o banco e apurado o saldo da massa falida, só receberão uma parte de seus recursos. Pode ser o Banco Central, que transfere recursos para cobrir a insuficiência de patrimônio.
Nesse caso não se trata de redesconto, ou seja, de um empréstimo a taxas de mercado até que a liquidez bancária seja restabelecida. Trata-se de uma injeção definitiva de recursos para cobrir perdas de uma má gestão bancária. É claro que a ação do Banco Central aqui pode ser questionável.
Mas é preciso compreender que a injeção de recursos não protege os responsáveis pela má gestão do banco -que devem ser objeto de rigorosa apuração e punição-, mas sim os depositantes. A decisão de não transferir a conta para os depositantes, me parece, foi correta. Depois do Econômico, os prejuízos com a quebra de mais um banco desse porte poderiam levar a uma crise generalizada de confiança.
O Nacional tinha patrimônio descoberto, mas suas operações bancárias saudáveis, seus clientes, suas agências, seus funcionários, tinham valor. Encontrar alguém interessado em comprá-las é uma forma de reduzir o rombo a ser coberto. Foi o que fez o Banco Central, e, mais uma vez, agiu certo.
Falar em direito dos minoritários só pode ser brincadeira. Os acionistas, minoritários ou majoritários, tinham uma empresa quebrada e, tudo indica, vinham recebendo há anos dividendos sobre lucros inexistentes.
Agora, o número ventilado para o tamanho do buraco é que é estarrecedor: R$ 4 bilhões! A maioria das pessoas tem dificuldades em realizar o que isso significa. São 50 anos de lucros equivalentes ao excelente resultado apresentado pelo Nacional no seu balanço do ano passado.
São mais de 20 mil escolas construídas. Ou para quem, como eu, acha que educação é mais um problema de software do que de hardware: a um juro real baixo de 5% ao ano, é uma renda perpétua de R$ 200 milhões por ano, que poderia pagar "ad eternum" o salário de 10 mil professores ganhando um salário decente de R$ 1.700 por mês.

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