São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 1995
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Ex-premiê irlandês acusa Reino Unido

OTÁVIO DIAS
DE LONDRES

Albert Reynolds, 63, foi primeiro-ministro da Irlanda entre 1992 e 1994 e desempenhou papel fundamental no início do processo de paz na região.
Em entrevista à Folha, o atual parlamentar do partido Fianna Fail defendeu início imediato das negociações de paz na Irlanda do Norte. "Quinze meses depois de declarado, não houve nenhum desrespeito ao cessar-fogo, o que mostra que estamos preparados para a paz. A única forma de atingi-la é por meio do diálogo."
Segundo ele, a exigência do governo britânico de que o IRA (Exército Republicano Irlandês) entregue suas armas para o iniciar as conversas de paz não é válida.
"Essa é uma imposição que não foi discutida antes do início do cessar-fogo", disse Reynolds.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida à Folha por telefone, de seu gabinete no Parlamento da Irlanda, em Dublin, a capital.

Folha - Nos últimos anos, processos de paz bem-sucedidos têm ocorrido em regiões como África do Sul e Oriente Médio. As partes em conflito na Irlanda do Norte estão prontas para a paz?
Albert Reynolds - Em 31 de agosto de 1994, o Exército Republicano Irlandês anunciou o fim total do uso da violência por prazo indeterminado. Após seis semanas, os grupos paramilitares unionistas também se comprometeram com o fim da violência.
Quinze meses depois, não houve nenhum desrespeito ao cessar-fogo, o que mostra que estamos preparados para a paz.
A única forma de atingi-la é por meio de diálogo. Se as negociações entre todas as partes envolvidas terão de começar um dia, não vejo motivo pelo qual não possam começar imediatamente. É perigoso permitir que haja um vácuo porque ele pode ser preenchido por alguma outra coisa.
Folha - O premiê do Reino Unido, John Major, é responsável por esse vácuo devido à exigência de seu governo de que o IRA entregue parte de seu armamento antes do início das negociações de paz?
Reynolds - Os governos do Reino Unido e da Irlanda, representados por John Major e por mim, publicaram em 15 de dezembro de 1993, a Declaração de Downing Street, que estabeleceu o caminho e as condições para que as partes em conflito se acreditassem para as negociações de paz. Houve o cessar-fogo do IRA.
Infelizmente, o governo britânico colocou agora essa nova exigência, que não fazia parte da Declaração de Downing Street.
Folha - Qual é exatamente a precondição do governo do Reino Unido?
Reynolds - O governo exige que o IRA entregue algumas armas às forças britânicas antes que as conversas comecem. Gostaria de salientar que o que está ocorrendo é uma trégua e não uma rendição. A deposição de algumas armas seria uma rendição simbólica.
Não há precedente em nenhum processo de paz do mundo de tal precondição. A deposição de armas deve acontecer como parte do processo de paz e como condição para um acordo final.
Folha - O governo britânico argumenta que os protestantes da Irlanda do Norte não aceitariam discutir o Sinn Fein enquanto o IRA mantiver suas armas. Esse é um argumento real?
Reynolds - Existe temor de ambos por parte dos católicos e dos protestantes. Não acredito que a deposição simbólica de algumas armas diminuiria o temor ou a ameaça de um retorno à violência.
Folha - O líder do Sinn Fein tem alertado para o risco de uma retomada da violência caso o processo de paz não avance. Essa é uma possibilidade ou o sr. acredita que o IRA não voltará a praticar atos terroristas?
Reynolds - Acredito que a atual liderança do Sinn Fein está genuinamente comprometida com uma solução pacífica para o problema.
Mas as promessas de diálogo não foram cumpridas após 15 meses de cessar-fogo e ninguém pode garantir que não possa haver um retorno à violência.
(OD)

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