São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 1995
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Reformando a educação

JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO

Durante seu mandato, o ex-ministro Murílio Hingel afirmou que "a educação está falida e a situação tende a piorar mais"; qualquer prognóstico ruim sobre a educação brasileira tende a se confirmar e o equívoco está em admitir que uma nova Lei de Diretrizes e Bases resolverá a questão.
Por que não copiar a dos EUA, que têm o melhor sistema educacional da atualidade? É porque ali não há tal lei; seu Ministério da Educação foi criado há menos de 20 anos, não existem universidades federais e as particulares fazem o que é preciso: mudam currículos, contratam e demitem, criam e extinguem cursos, cobram o que querem, dão diplomas de variadas ordens -PhD em hotelaria, por exemplo- e até por correspondência e por computador -e ninguém tem nada a ver com isso. Aqui tudo é centralizado e regulamentado.
No último mês o Senado aprovou o parecer 691 referente ao projeto de lei do senador Darcy Ribeiro, que revoga as leis 4.024, de diretrizes e bases, 5.540, 5.692, 7.044 e os outros textos a elas relacionados.
A nova lei não trará qualquer aprimoramento educacional porque apenas parafraseia dispositivos das leis que revoga e acrescenta muitíssimos outros irrelevantes; é coisa de regimento interno dizer que as universidades poderão "estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão (...) firmar contratos, acordos e convênios."
Há ainda muitas bizantinices: o art. 30, segundo o qual o "ensino médio terá como objetivos...o domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna"; o art. 28: "Aos alunos que não optarem pelo ensino religioso será assegurada atividade alternativa que desenvolva os valores éticos, o sentimento de justiça, a solidariedade humana, o respeito à lei e o amor à liberdade" etc.
O projeto não tangencia um só problema educacional, mas causará "una brutta confusione" em todo o país com o art. 46, segundo o qual "é livre o exercício das profissões, exigida a qualificação especial, na forma da lei, nas áreas da saúde, da engenharia e do direito". O senador, sem entender do que se trata, adaptou ao que existe nos EUA um artigo de várias constituições brasileiras e nunca posto em prática.
São tão evidentes as consequências que poupo o leitor de comentários, bastando lembrar que tal "livre exercício", com o nepotismo que induz, afetará gravemente o mercado de emprego.
Mais uma vez o Congresso Nacional perde a oportunidade de propiciar ao país, ao MEC, normas práticas e eficazes para nos livrar do caos educacional, o que não depende de novas diretrizes e bases, que talvez sejam as mesmas desde Platão. O que o país espera, e que o MEC precisa para funcionar e não continuar de mãos atadas, são normas simples que, de certa forma, são as legislações subsidiárias, até hoje não-editadas, decorrentes das leis que o senador Ribeiro quer revogar.
O Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação (RJ) revelou que o primeiro diploma legal interferindo na economia das escolas particulares data de 1941 e que, nos 45 anos seguintes, até o fim do governo Figueiredo, foram baixados mais nove; dessa ocasião até o início do corrente mês surgiram 61 novos dispositivos dessa natureza.
Quem quiser contar os de abrangência menor vai gastar muitos anos, pois o MEC mete o bedelho até no tamanho de salas de aulas para autorizar o funcionamento de escolas particulares. Deveria deixar que façam o que lhes aprouver para que sobrevivam as melhores. Com o que sobrará tempo ao poder público para cuidar das suas e saber o que se passa na educação pública brasileira, nas universidades, por exemplo, e corrigir o que há de errado. Tarefa igual à de Áugias.

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