São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 1995
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Quando lealdade é crime

CLÓVIS ROSSI

De que crime se pode acusar Francisco Graziano, o superintendente do Incra que ontem deixou o governo? A rigor, de lealdade.
Para justificar essa avaliação é preciso especular um pouco a respeito do que seria a anatomopatologia do "grampo" que o derrubou e a mais dois auxiliares do presidente.
1 - Graziano tinha fundadas suspeitas sobre o embaixador Júlio César Gomes dos Santos, então chefe do Cerimonial. Tantas suspeitas que, ontem, orgulhou-se de ter ajudado a combater a corrupção no governo. Acusação mais frontal ao embaixador vai ser difícil de encontrar.
2 - Mas não tinha intimidade suficiente com FHC para lhe dizer ao ouvido algo como: "Presidente, preste atenção nesse embaixador, que não é flor que se cheire".
3 - Precisou então recorrer ao "grampo". Ou ele próprio o solicitou, o que Graziano nega, como é previsível, ou queixou-se tanto do embaixador no seu círculo de amigos que um deles, provavelmente Paulo Chellotti, o irmão do chefe da Polícia Federal, resolveu fazer-lhe um favor, encomendando o monitoramento.
4 - O "grampo" deu a Graziano o que precisava para que suas suspeitas fossem levadas ao presidente e não fossem encaradas como fofoca ou intriga palaciana.
5 - Com isso, conseguiu afastar das imediações do gabinete presidencial uma figura que julgava suspeita e que, se não fosse queimada imediatamente, poderia mais tarde comprometer ainda mais o próprio presidente.
Se isso não é lealdade, o que é lealdade então?
Lealdade mal canalizada, talvez. Mas a culpa, no caso, é do chefe e não do subordinado. Se o presidente desse a subalternos de confiança, como era o caso de Graziano, abertura suficiente para queixas, críticas ou reclamações, o "grampo" seria dispensável.
Parece faltar no Planalto, como em quase todos os palácios governamentais, a figura de um chato de plantão, que seja ouvido mesmo quando diz ao presidente ao final de cada dia: "Chefe, hoje o senhor fez ou disse as seguintes besteiras...".

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