São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 1995
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Castrando o Brasil

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
Não aceito a concepção de alguns economistas de que o Brasil não pode crescer mais do que 3% ou 4% ao ano sem voltar ao desequilíbrio interno (inflação) ou ao desequilíbrio externo (déficit insustentável em conta corrente). Falam dessa restrição como se fosse produto da natureza e descoberta pela mais sofisticada teoria econômica.
Esquecem que ela foi construída pela própria política econômica, derivada de teoria altamente duvidosa. Desde 1986 vimos perdendo espaço no comércio mundial graças às manipulações equivocadas com a taxa de câmbio, que há dez anos só fizeram aumentar as incertezas do setor exportador.
Congelou-se três vezes a taxa de câmbio e reduziu-se as tarifas de importação de forma irresponsável. Para sustentar tal política, manteve-se a taxa de juro real em níveis absurdos e garantiu-se ao capital volátil a certeza de retornos elevados. Um documento do BIS (Banco para Compensações Internacionais) mostra que os papéis brasileiros valorizados em dólares renderam, em 1994, mais de 70%. Cálculos mais recentes mostram que até agosto de 1995 eles tinham rendido mais de 30% neste ano.
Não é difícil entender o entusiasmo dos bancos e "brokers" com uma política econômica que mede o seu sucesso externo pela acumulação de reservas! O Brasil é visto como uma espécie de "baú da viúva" ("widow cruse"), que possui recursos inesgotáveis.
Para entender a armadilha que estamos construindo para o desenvolvimento econômico futuro basta comparar nossos números com dois competidores que pensam no futuro.
O caso chinês é paradigmático. A China exportava menos do que 2/3 das exportações brasileiras em 1984. Em 1993 ela exportou US$ 91,7 bilhões (o Brasil, apenas US$ 38,6) e em 1994 suas exportações foram de US$ 120,9 bilhões (o Brasil, uns miseráveis US$ 43,5). Em apenas dez anos a China nos ultrapassou e passou a exportar quase três vezes mais do que o Brasil! Em 1995 as exportações chinesas superarão US$ 150 bilhões, enquanto as do Brasil, a duras penas e favorecidas pelos aumentos de preços, chegarão a apenas US$ 46 bilhões.
A ridícula retórica governamental saúda como vitória um aumento de 6% de nossas exportações em 1995, quando as exportações mundiais cresceram 24% no primeiro trimestre deste ano, comparados com o período homólogo de 1994. E as importações dos países desenvolvidos cresceram 23% no primeiro semestre de 1995 comparadas com as de 1994. Nem Edgar Allan Poe, nem Franz Kafka explicam isso!
Esse é o problema. A acumulação de reservas é um indicador diversionista! Para realizá-la (e com a dupla contagem que só Deus conhece), mantivemos políticas cambial e monetária absurdas, que destruíram a agricultura nacional, desarticularam as pequenas e médias indústrias nacionais e ameaçam liquidar o sistema bancário nacional. Bancos estatais falidos e bancos estrangeiros de higidez duvidosa são hoje o último refúgio dos pobres brasileiros...

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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