São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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História traz tempero do artesanato

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

A história do cinema brasileiro pode ser lida como a história das tentativas de instituir uma indústria cinematográfica num país pobre, atrasado e periférico.
Mas essa história tem seu avesso ou "negativo": as reações esporádicas de uma produção artesanal e independente, anti-industrial por contingência e opção. São os "cinemas novos" que buscaram sempre fazer da precariedade de recursos fator de invenção cinematográfica.
Na primeira vertente -a da história industrial- despontam nomes de companhias como Atlântida, Vera Cruz, Maristela, nossas desajeitadas versões dos grandes estúdios americanos e europeus.
Na segunda vertente -a da história artesanal- figuram nomes de criadores individuais como Mario Peixoto, Humberto Mauro, Glauber Rocha, Julio Bressane.
Claro que esses dois departamentos não são estanques, e o cinema brasileiro está cheio de paradoxos ilustrativos. O mais curioso deles talvez seja o caso Alberto Cavalcanti (1897-1982). Depois de participar da vanguarda francesa dos anos 20 e do revolucionário documentarismo inglês dos anos 30 e 40, esse grande experimentador voltou ao país para dirigir nossa mais ambiciosa tentativa de emular Hollywood e Cinecittà: a companhia Vera Cruz.
O cinema das matrizes (Europa e, principalmente, EUA) sempre foi uma sombra sobre os realizadores brasileiros, quer estes tentassem imitá-lo ou rejeitá-lo. Na bilheteria, o "similar nacional" só chegou a competir com o produto americano em raros momentos: a chanchada carioca nos anos 40 e 50, o "boom" lítero-erótico dos anos 70 ("Dona Flor", "A Dama do Lotação", "Xica da Silva" etc.).
O documento e a ficção também foram pólos entre os quais sempre oscilou a produção brasileira. Desde a primeira década do século -em que as fitas se dividiam em "naturais" (documentários) e "posadas" (ficção)-, essa tensão é evidente.
Os primeiros filmes brasileiros de ficção surgiram por volta de 1908. Até então, a produção cinematográfica se restringira basicamente à documentação de solenidades e eventos mais ou menos oficiais.
Curiosamente, as primeiras narrativas de ficção no cinema estavam coladas ao documento: eram reconstituições de crimes alardeados pelos jornais. Um destes -o célebre "crime da mala"- rendeu três versões diferentes no mesmo ano (1909).
Embora os primeiros "posados" tenham sido policiais, estranhamente o gênero não se firmou no Brasil, a não ser em manifestações excepcionais, como "O Assalto ao Trem Pagador" (Roberto Farias, 1962) e "Lúcio Flávio" (Hector Babenco, 1977).
Outro tipo de produção que não conseguiu manter uma regularidade foi o chamado cinema regional, ainda que surtos de produção regional tenham buscado de quando em quando se contrapor à hegemonia de Rio e São Paulo, obviamente os centros hegemônicos da indústria.
Já nos anos 20 havia uma expressiva produção de filmes em Minas Gerais (com Humberto Mauro) e em Pernambuco (o exemplo mais célebre é o pioneiro "Aitaré da Praia", de Gentil Roiz).
Na virada dos anos 50 para os 60, a Bahia e o sertão nordestino tornaram-se palco de filmes do Cinema Novo e do "ciclo do cangaço", para não falar de "O Pagador de Promessas" (Anselmo Duarte, 1962), único filme brasileiro premiado com a Palma de Ouro em Cannes.
Hoje o cinema brasileiro vive uma fase de retomada da produção e de lenta reconquista do mercado, dizimado nos últimos anos por fatores que vão desde a política cultural desastrosa da era Collor até a elitização do público de cinema.
O interessante é notar que os mesmos dilemas que atravessaram a história do cinema brasileiro continuam em pauta: cinema industrial ou produção barata? Entretenimento ou experimentação? Temática urbana ou regional?
O cinema brasileiro já é rico o bastante para buscar em sua própria história os paradigmas de cada tipo de produção. Quando se pensa em entretenimento popular, os modelos óbvios são as chanchadas da Atlântida ou as comédias de Mazzaropi; quando se pensa em cinemão de estúdio, evoca-se a Vera Cruz; em engajamento político e social, o Cinema Novo; em liberdade de experimentação, o "underground".
É esse variado acervo de imagens em movimento que tem ajudado a moldar nosso olhar e nossa sensibilidade diante do país -pelo menos antes que a TV transforme tudo num grande "Fantástico".

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