São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Flu quer futebol quarto-sala-cozinha

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

A linguagem e a malandragem do subúrbio carioca foram trunfos decisivos do técnico Joel Santana, 46, para classificar o Fluminense à fase semifinal do Campeonato Brasileiro.
Ex-feirante, ele emprega imagens como a dos cômodos de uma casa para explicar aos jogadores a função tática de cada um.
Joel falou à Folha ontem de manhã, nas Laranjeiras (zona sul do Rio), depois do treino da equipe.
*
Folha - O senhor tem uma linguagem particular com os jogadores?
Joel Santana - Jogador não gosta que fiquemos penteando, gosta das palavras do dia-a-dia.
Folha - Como o senhor explica para eles a função tática de cada um?
Joel - Cada jogador tem o momento certo para estar num determinado lugar em campo. Cada um tem seu setor, seu lugar certo, como os móveis de uma casa.
Folha - Como assim?
Joel - Você sabe que lugar de geladeira não é na sala, mas na cozinha. A poltrona não tem que estar na cozinha. Futebol é como casa: não adianta ter boas peças mal arrumadas.
Folha - Qual o lugar mais importante de uma casa e de um time de futebol?
Joel - A defesa. Ela é como a cozinha. É na cozinha que começa tudo. Quem for arrumar outra parte da casa vai sentir fome e precisar da cozinha. O principal é colocar geladeira, fogão e compartimentos, um auxiliando o outro.
Folha - E o meio-campo?
Joel - É a sala de visitas. É o local onde se consegue agrupar mais pessoas. No futebol é a espinha dorsal da equipe. Como a sala, não pode ser desarrumado. Ele se divide para ajudar dois setores, defesa e ataque. Neste caso, é o corredor da casa.
Folha - E o ataque?
Joel - É como o quarto. Completa tudo. É a hora da alegria, de sonhar, dormir. Foi o que não conseguimos no segundo turno do campeonato porque não houve sincronismo entre os setores.
Folha - Muitos analistas o apontam como retranqueiro. Qual sua opinião?
Joel - Discordo. Tudo depende dos jogadores que você tem. Dependendo da qualidade das peças, você monta um carro de R$ 80 mil. Se não der, monta um de R$ 20 mil ou de R$ 8.000.
Quando há boas tintas, a qualidade do quadro melhora.
Folha - A maioria das vitórias do Fluminense no primeiro turno foi por diferença só de um gol.
Joel - No Brasil as pessoas são muito imediatistas. Eu cheguei ao Fluminense quando o clube estava havia nove anos sem título. No Campeonato Brasileiro do ano passado tinha tomado mais de 40 gols. Os jogadores eram ciganos, que iam de um clube para outro.
Folha - Mas conseguiu vencer o Campeonato Estadual.
Joel - Para isso começamos montando uma defesa forte. Mas para o Campeonato Brasileiro quebramos o time, mudando os dois cabeças-de-área. Falaram que era preciso só dar umas pinceladas no quadro, como se fosse o mesmo time do Estadual.
Folha - Não foi o que ocorreu?
Joel - Não foi só mudar o tom azul do céu, o tom da floresta verde. Foi preciso refazer todo o quadro, foi difícil.
Folha - O senhor cresceu vendo treinos do Olaria, clube do subúrbio carioca. Em que essa experiência o influenciou na carreira?
Joel - Morava num prédio em frente ao Olaria. Ficava olhando os treinos. O roupeiro deixava a gente, os moleques, jogar no campo.
Folha - O senhor trabalhou na infância?
Joel - Aos 13, 14 anos eu vendia legumes na feira de Ramos (subúrbio do Rio). Vendia jornal, chumbo, aquelas coisas. Ia ajudar um amigo na feira. Sou um cara do subúrbio, só depois que subi.
Folha - Quais eram os seus passatempos?
Joel - Gostava de pipa, de pião. Não existia essa coisa de skate, surfe, computador. Gosto daquele caldo de cana com pastel. Aquele pastel que a gente aperta e a carne já foi.
Folha - A experiência como feirante o ajudou a conversar com o desembaraço que o caracteriza? Qual era o segredo para ser bom feirante?
Joel - Como no futebol, falar sempre a verdade. Eu era um bom feirante.
Folha - O senhor ganha R$ 80 mil por mês. Os seus hábitos mudaram com a ascensão social?
Joel - Quem está falando que eu ganho isso é você, não sou eu. Continuo gostando das mesmas coisas do tempo do subúrbio.
Todo dia saio de casa e, antes de vir para o clube, paro num botequim em frente ao ponto de ônibus para comer sanduíche de carne assada e cafezinho. Não sei por que, mas não há cafezinho igual ao de botequim.
Folha - Com o seu salário o senhor pode comer a iguaria que quiser. Quais são seus pratos preferidos?
Joel - Eu gosto de feijoada, rabada, cozido, macarrão com carne assada. Não gosto de comida fina.

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