São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Paradoxos na classificação biológica

JOSÉ MARIANO AMABIS

O propósito da classificação biológica é retratar relações de parentesco evolutivo entre os seres vivos. Uma de suas metas é, portanto, o estabelecimento da separação dos dois grupos fundamentais do mundo vivo.
Essa questão parecia ter sido esclarecida quando se descobriu que a vida se baseia em dois tipos fundamentais de células: o procarionte (organismo desprovido de membrana nuclear) e o eucarionte (organismo com o núcleo envolvido por membrana nuclear).
A idéia inicial foi a de que, em um passado remoto, um grupo primordial de seres vivos teria se diversificados nos ancestrais das bactérias e nos ancestrais dos demais seres vivos. Estudos bioquímicos recentes mostraram, no entanto, que os procariontes agrupam dois tipos bastante distintos de organismos: as eubactérias, ou bactérias verdadeiras, e as arquebactérias, as bactérias primitivas.
O que mais surpreendeu os cientistas foi o fato de as arquebactérias serem genética e bioquimicamente mais semelhantes aos eucariontes do que às eubactérias.
Isso mostra que a divisão básica do mundo vivo não foi em pro e eucariontes, mas no grupo ancestral das eubactérias (Bacteria) e no grupo que originou as arquebactérias (Archaea) e os eucariontes (Eucarya).
Portanto, uma classificação que pretenda refletir a filogênese da vida (história evolucionária das espécies) deve considerar esses três grupos como as categorias mais superiores na hierarquia taxonômica, acima dos reinos atuais de seres vivos.
Um outro paradoxo resultou da descoberta de que certos orgânulos citoplasmáticos, como mitocôndrias e plastos, descendem de eubactérias que, em um passado remoto, se associaram a primitivas células eucarióticas. Esse paradoxo surge quando nos perguntamos se um ser eucariótico é um organismo ou uma associação entre organismos diferentes.
Do ponto de vista funcional ele é um organismo, porém, do ponto de vista evolutivo, trata-se de uma associação. Mas, como diz Stephen J. Gould, problemas desse tipo são criados pelo homem em sua tentativa de definir fronteiras na natureza, criando pressupostos que violam os processos biológicos.
Na verdade, um ser eucariótico não é nem um organismo, nem uma associação, mas ambos: ele se encontra no meio de uma continuidade, onde seres vivos diversos em associação se transformaram, ao longo da evolução, em um organismo único.

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