São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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'O Ódio' recupera vigor do cinema francês

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: O Ódio (La Haine)
Produção: França, 1995
Direção: Mathieu Kassovitz
Elenco: Vincent Cassel, Said Taghmaoui, Hubert Kounde
Onde: no cine Vitrine

Todo mundo sabe que o ódio, quando explode, é um sentimento purificador. "O Ódio", o filme, tem um efeito análogo no interior do usualmente modorrento cinema francês.
Entre as tradições do "cinema-verdade" dos anos 60 e da estilização neobarroca da década passada, o jovem diretor Mathieu Kassovitz, 27, optou por uma espécie de "caminho do meio" radicalmente pessoal ao tratar das tensões que envolvem os jovens imigrantes pobres na França de hoje.
Seu filme começa com imagens documentais de TV sobre conflitos entre a polícia e imigrantes num subúrbio pobre de Paris: cinema-verdade.
Aos poucos, as imagens rodadas pelo diretor no mesmo local, com os mesmos figurantes, ganham autonomia, definição, estilo. O cinema-verdade cede lugar à verdade do cinema.
A "trama", já que é preciso resumi-la: 24 horas na vida de três jovens de periferia -um judeu (Vincent Cassel), um árabe (Said Taghmaoui) e um negro (Hubert Kounde)-, um dia depois que um amigo deles foi ferido gravemente pela polícia, durante um motim incendiário no subúrbio.
Eles vagueiam pelo subúrbio, vão a Paris, brigam com a polícia, com skinheads, com eles mesmos.
O mais importante é a maneira como o filme valoriza a energia e a tensão de cada gesto, de cada situação, de cada diálogo.
Num preto-e-branco cristalino e sem firulas, com uma câmera libérrima e profundidade de campo absoluta, Kassovitz constrói um expressionismo às avessas.
Em vez das deformações expressionistas "clássicas", mais cenográficas que propriamente cinematográficas, Kassovitz faz um expressionismo translúcido, baseado na câmera e na montagem.
Um exemplo singelo: depois de ensaiar diante do espelho um diálogo agressivo, à maneira de Robert De Niro em "Taxi Driver" ("O quê?! Você está falando comigo?"), Vinz (o judeu) aponta para a câmera o dedo, simulando uma arma, e "dispara". Ouve-se o som abafado de uma explosão e a tela fica branca de repente.
Já se fez isso antes, claro, mas aqui tudo tem um frescor de primeira vez. O ódio -racial, social, metafísico- explode em luz, em ritmo -em cinema, enfim.
Por este seu segundo filme (o primeiro é "Métisse", de 93), Kassovitz ganhou o prêmio de melhor direção em Cannes.

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