São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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Almodóvar faz elogio da mulher

FERNANDA SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: A Flor do Meu Segredo
Produção: Espanha, 1995
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Marisa Paredes, Rossy De Palma, Chus Lampreave, Juan Echanove, Joaquin Cortes, Manuela Vargas, Imanol Arias
Estréia: hoje nos cines Arouche B, Lumière 1, Bristol e Morumbi 3

A crítica internacional foi unânime: "A Flor do Meu Segredo" não é tão "Almodóvar" quanto os outros filmes do diretor espanhol. Em sua passagem pelo Brasil em outubro, Almodóvar respondeu bem-humorado à crítica: "As pessoas dizem que meu último filme é diferente dos outros, que não é tão Almodóvar. Mas eu, que sou Almodóvar, digo que o filme é meu e que estou lá".
"A Flor do Meu Segredo" é um filme extremamente sensível e retrata o universo feminino como poucas vezes se vê no cinema -e nesses dois sentidos não poderia ser mais Almodóvar.
Leo (Marisa Paredes) é uma escritora de romances cor-de-rosa, que assina com o pseudônimo de Amanda Gris. Seu marido, Paco, é militar, trabalha na ONU e passa a maior parte do tempo fora de casa, em Bruxelas ou na Bósnia.
Em uma de suas voltas rápidas, o casamento, que já não ia lá grande coisa, desmorona. "Existe alguma possibilidade, por menor que seja, de salvar nosso amor?" Esta é a pergunta desesperada que Leo faz ao marido, antes de descobrir que não, não existe, que ele é pior do que ela pensava e que também amor nenhum vale uma tentativa de suicídio.
Leo volta à sua cidade natal com a mãe (Chus Lampreave) e se refaz ali. "Tão jovem e já está como uma vaca sem sino"', diz a mãe. Estar como "uma vaca sem sino" é estar perdida, sem direção. É o que acontece com as mulheres quando são abandonadas, explica a mãe de Leo. Como quase todas as mães, ela sabe o que diz.
"A Flor do Meu Segredo" é "uma grande história de desamor", disse Almodóvar. É também um melodrama rasgado e ao mesmo tempo contido.
Algumas cenas do filme, como o encontro de Ángel e Leo na rua no meio da passeata dos estudantes de medicina, ou a de Leo cantando com as mulheres de seu povoado, remetem às grandes cenas dos filmes musicais, em que a tensão ou a suavidade junto com a música substituem todo e qualquer diálogo.
Muitas cenas de "A Flor do Meu Segredo" foram filmadas na rua (em Madri e em La Mancha, região onde nasceu o diretor). Por isso, este último filme de Almodóvar parece diferente. Não há os cenários estilizados de Kika, por exemplo. O apartamento de Leo não aparece mais que a própria personagem -o que só faz aumentar a dimensão de sua exposição e consequente fragilidade.
Nessa altura de sua vida, Leo já não consegue mais escrever seus romances cor-de-rosa. Não consegue mais ver a vida e seus percalços como meros artifícios da ficção. Ela sabe que nada caminha forçosamente para um final feliz.
Leo é uma mulher comum. Sua mãe é simples, sua irmã (Rossy De Palma) é uma dona-de-casa exemplar. A dor de Leo, traída pelo marido, é comum e estarrecedora, como todas as dores de amor.
Nessa simplicidade, nesse lugar comum, está todo o mérito de Almodóvar em "A Flor do Meu Segredo". Sua heroína não é especialmente fatal, fútil, frágil, ou um desses atributos que a mulher costuma ganhar no cinema.
Ela simplesmente queria viver bem com o marido, mas homens e mulheres cada vez se entendem menos. É banal, mas é também maravilhoso quando ganha as cores e os diálogos de Almodóvar.
Em tempo: de quebra, "A Flor do Meu Segredo" traz o bailarino espanhol Joaquin Cortes dançando flamenco ao som de Miles Davis.

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