São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995
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As fontes da paixão

JOSUÉ MACHADO
"OS OLHOS DELA, POR SI SÓ, DESPERTAM MINHA PAIXÃO."

"Os olhos dela, por si sós, despertam minha paixão."
"Por si só" ou "por si sós" nesse caso?
O leitor Mahamud Ahmed, de São José dos Campos, SP, tem essa dúvida, ou melhor, considera que a Folha tem essa dúvida e escreve:
"No editorial 'Um Bom Começo', de 28/9/95, causou-me incerteza, no que tange à concordância gramatical, o seguinte trecho: '... as novas exigências decerto não garantiriam, por si só, que a...'
Em antigo artigo, cuja data não consigo precisar, Janio de Freitas utilizou figura semelhante, porém, flexionando a expressão "por si sós'."
Não há dúvida. Foi um acidente editorial. O "só" nesses casos funciona como adjetivo e portanto deve concordar em número com o nome a que se refere: singular ou plural.
"Os olhos dela, por si sós, despertam minha paixão."
"O olhar dela, por si só, desperta minha paixão."
O "só" equivale a "sozinho" e aos demonstrativos "próprio" e "mesmo", em construções semelhantes com o pronome "si": por si mesmos, por si próprios. Flexionam-se todos alegremente.
Se o pronome "si" se refere a nome plural, embora não ganhe "s" por ter forma fixa, o demonstrativo que o acompanha vai, obediente, para o plural. Como o "si" pode ser singular e plural (assim como o "se" e o "consigo"), é claro que continua como Deus o fez, não importa o que aconteça ao redor. Assemelha-se àqueles juízes em seus palácios: impávidos, bastam a si mesmos, a si próprios.
"Eles, por si sós, definem seus (próprios) benefícios."
Se se tratar de uma figura singularíssima, como um desses prefeitos desinteressados que decidem tudo sozinhos, e sempre decidem bem, dir-se-á dele, singularmente:
"O prefeito decide, por si só, o que é bom para todos".
O leitor em dúvida sobre a dúvida da Folha já terá concluído que "... as novas exigências decerto não garantiriam, por si sós, que a..."
É claro que houve um evidente ato de sabotagem do computador do editorialista. Essas máquinas infernais são assim. Talvez seja um protesto eletrônico contra os R$ 10 ou R$ 12 bilhões que o sistema bancário está ameaçado de receber dos nossos bolsos combalidos. Acontece.

JOSUÉ R.S. MACHADO é jornalista, formado em línguas neolatinas pela PUC-SP. Colaborou em diversos jornais e revistas.

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