São Paulo, terça-feira, 5 de dezembro de 1995
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O que é reforma agrária?

JOSÉ GOMES DA SILVA

Uma das primeiras reações daqueles que se opõem a mudanças na estrutura agrária brasileira (e a quaisquer outras alterações que afetam os seus privilégios) consiste em mencionar o fracasso dos assentamentos realizados até agora pelo governo.
Esse filme -já rodado em 1963 com as reformas de base de Jango, em 64 com a promulgação do Estatuto da Terra por Castello Branco e em 85 por ocasião do PNRA- é exibido de novo, com o recrudescimento do movimento pela reforma agrária.
As cenas, inclusive, são sempre as mesmas, mostrando as "favelas" rurais, parceleiros empobrecidos, crianças na miséria.
Há uma preliminar decisiva em tudo isso: nunca houve Reforma Agrária no Brasil (a lei, o Estatuto da Terra, grifa a expressão com iniciais maiúsculas), tal como aconteceu em numerosos países do mundo desenvolvido.
Reforma Agrária, por definição, é um processo amplo (massivo), imediato e drástico de redistribuição dos direitos de propriedade da terra agrícola.
Desagregando o conceito: amplo para guardar relação com a magnitude do problema agrário do país onde é executada.
Imediato para poder beneficiar a atual geração dos sem-terra, como os atuais acampados na beira das estradas.
E drástico (no sentido de diferente, não de violento) para garantir que a nova relação homem-terra, baseada na propriedade privada de um bem comum, seja bastante diferente do antigo sistema latifundiário, ou seja, a agricultura "reformada" precisa apresentar características estruturais totalmente diferentes do "status quo" por ela modificado.
Neste contexto, os atuais assentamentos constituem ilhas isoladas e dispersas no imenso espaço nacional de terras ociosas, cercados de adversários por todos os lados.
Instalados, no mais das vezes, como providência emergencial, traduzem também a má vontade dos governantes conservadores que têm ocupado o Ministério da Agricultura e a direção do Incra.
A terra nem sempre possui fertilidade que permite uma exploração sustentável e os serviços (crédito, assistência técnica, armazenamento, saúde, educação etc.) raramente têm vindo a tempo de assegurar o êxito desses empreendimentos.
A falta de escala que dê aos assentamentos o caráter de massividade deixa também os assentados entregues à sua própria sorte, carecendo de estruturas modernas de transporte, comercialização e processamento.
A despeito de todas essas dificuldades -naturais ou fabricadas- muitos assentamentos conseguem sobreviver e, no Paraná e no Rio Grande do Sul, já começam a organizar-se em cooperativas de grau superior com agroindústrias incipientes.
Essas agroindústrias aumentam o valor agregado dos produtos e geram empregos dentro e fora dos projetos.
Por outro lado, estudos realizados por entidades independentes como a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e a Universidade Federal de Santa Maria (RS) têm mostrado que a renda média dos assentamentos pode alcançar níveis satisfatórios e muito superiores aos que tinham antes de receberem terra própria.
Não é outro, aliás, o motivo pelo qual diversos prefeitos -reconhecendo os benefícios que os assentamentos estão trazendo para as suas comunas.
Inclusive em arrecadação de impostos- passaram a apoiar esses movimentos.
E o fracassos, perguntarão os críticos?
E as vendas de lotes há pouco denunciadas no Pontal do Paranapanema, em São Paulo?
A resposta é simples e válida para qualquer situação onde as exceções não podem ser esgrimidas como média.
De fato, os insucessos dos assentamentos podem constituir um êxito retumbante se comparados aos 87.781 imóveis rurais "improdutivos" (ocupando 115.054.000 hectares), com áreas acima de 15 módulos fiscais, definidos pela legislação agrária em vigor.
Por derradeiro, muito embora reformas não devam transformar-se em artigos de importação, cabe uma referência aos países que já fizeram Reformas Agrárias.
E a da Itália, por diversos motivos, é a que mais se aproxima daquela que deveria ser feita no Brasil.
Ali, a redistribuição de terras aconteceu em grandes espaços.
As áreas -administradas pelas "Ente di riforma"-, tal como se poderia fazer aqui, nos 350.000 hectares do Pontal, nas usinas decadentes da Zona da Mata de Pernambuco, na região semi-árida e nos vales e rios perenes do Nordeste, na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai e, massivamente, em algumas outras regiões do país.

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