São Paulo, terça-feira, 5 de dezembro de 1995
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O endividamento circular

LUÍS NASSIF

A questão do endividamento e da inadimplência na economia ainda não foi devidamente analisada em toda a sua amplitude. A política monetária, especialmente a partir de abril, teve efeito fulminante sobre o passivo do setor público e do setor privado. No curto espaço de ano e meio, produziu-se, possivelmente, o maior aumento de passivo da história.
À medida que os números vão aparecendo, revela-se um panorama contristador:
1) Dívida mobiliária federal, estadual e municipal. 2) Dívidas de estados e municípios. 3) Custo da rolagem das dívidas agrícolas. 4) Custo do ajuste do setor bancário. 5) Custo de renegociação das dívidas estaduais. 6) Aumento do rombo do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS). 7) Falências, concordatas e protestos de empresas que não puderam honrar seus compromissos. 8) Contratos públicos regulados pela TR.
Mas existe um universo muito mais amplo, não contabilizado, que, mais cedo ou mais tarde, irá explodir no colo de alguém, criando efeitos-dominó de difícil aferição.
Passivo invisível
A reação do organismo econômico a essas loucuras monetárias consistiu na criação de uma inadimplência circular, na qual a empresa A deve, mas não paga a empresa B, que deve, mas não paga a empresa C.
Poderia ser uma maneira pragmática de conviver provisoriamente com o arrocho monetário, não fosse o fato de que, a cada rodada, o taxímetro das multas, juros de mora e IOF vai aumentando os passivos, até torná-los rigorosamente impagáveis.
Do lado público, resolveu-se parcialmente o problema com a medida provisória permitindo a renegociação a longo prazo dos passivos acumulados com a Previdência. Ainda há uma miríade de tributos municipais, estaduais e federais à espera de uma posição mais flexível para os inadimplentes -que não devem ser confundidos com sonegadores.
Do lado bancário, tem-se imbróglio maior ainda. Quando começou a inadimplência, em maio, algumas instituições saíram na frente, renegociando dívidas de empresas e pessoas físicas a prazos mais longos e taxas civilizadas.
Mas, em sua maioria, as instituições passaram a impor condições leoninas na rolagem das dívidas, com juros estratosféricos e alguma amortização do principal, procurando acumular o máximo de rentabilidade antes da insolvência do cliente.
Esse círculo vicioso vai ser rompido, mais cedo ou mais tarde, com a aceitação da incapacidade do cliente de continuar amarrado a essa loucura.
É importante que, em lugar de renegociações localizadas -como a agrícola-, o governo comece a pensar em maneira abrangente de resolver a questão da inadimplência circular da economia, da mesma maneira que o México fez.
Senão, tudo o que houve até agora em termos de quebradeira e desemprego será pinto perto do que pode vir pela frente.

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