São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995
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A "sofredora" Di trava guerra com a realeza

DAVID DREW ZINGG
EM OXFORD, INGLATERRA

Bem, mais dia, menos dia ele tinha que falar no assunto, não é mesmo?
Eu me refiro ao tio Dave, que mais dia, menos dia seria obrigado a falar sobre a princesa Di, é claro.
Hoje em dia é impossível evitar a assexuada lady em questão, cuja presença se faz sentir no mundo inteiro. É claro que ela está presente na Grã-Bretanha inteira, cobrindo a nação como uma espécie de grande cobertor de segurança.
O Carlyle é aquele hotel onde o presidente John Kennedy mantinha uma entrada secreta especial para suas namoradas. Quem sabe Diana desce para o térreo para assistir o show do inimitável Bobby Short. Se o fizer, deve dar assunto para alguns milhões de páginas nos jornais.
A princesa Di está em guerra com a Casa Real de Windsor e, surpreendentemente, é bem possível que esteja vencendo a guerra. Ela está demonstrando ser provavelmente a mais esperta manipuladora de relações humanas no mundo ocidental.
Exatamente quando seu marido, o príncipe Charlie, começava a exibir sua namorada extraconjugal em Londres para todo o público ver, a princesa desferiu um contragolpe.
Lady Di foi à televisão com uma história tão comovente sobre sua vida de mãe sofredora dos filhos do príncipe (um dos quais será rei, algum dia), que conseguiu levar a Grã-Bretanha às lágrimas.
Eu, pessoalmente, a acho uma garotinha mimada e chata que só sabe choramingar. Se tio Dave fosse o príncipe de Gales, teria abandonado Diana imediatamente após a noite de núpcias e assim evitado toda essa confusão chata e embaraçosa.
O fato de a princesa ser uma queixosa profissional torna ainda mais eficiente sua guerra na mídia contra o príncipe Charles e "A Firma", como a família real tem por hábito se autodenominar.
O último capítulo na bem-sucedida guerra de relações públicas travada pela chorosa Diana foi ao ar semana passada.
Di revelou a uma nação espantada e admirada o que costuma fazer tarde da noite, já que não pode assistir o programa do Jô Soares.
Quem ouviu a história contada pela princesa concluiu que ela é uma candidata superqualificada a um cargo de espiã para o MI5, equivalente britânico da CIA.
Ou pelo menos essa foi a conclusão à qual cheguei. A história que ela contou a uma audiência fascinada foi que três ou quatro vezes por semana costuma sair de casa de fininho, por volta da meia-noite, para visitar um hospital que abriga vários aidéticos em fase terminal da doença.
Ali, vestindo um disfarce tão brilhante que os moribundos sequer imaginam quem possa ser aquela bondosa senhora, Diana conforta os doentes. Em troca, informa a princesa com característica modéstia, as vítimas do HIV lhe infundem coragem para enfrentar os árduos deveres inerentes a sua condição de princesa Di.
A sofredora Diana explicou em sua célebre entrevista à televisão que os deveres reais não são brincadeira. Entre as obrigações de quem vive no palácio figura raspar o prato, exatamente como a gentinha comum como você e eu.
Como você deve lembrar, a princesa Diana sofria daquela doença antipática tão comum às modelos magérrimas. O mal se chama bulimia e se caracteriza por fases em que o doente come pouquíssimo, seguidas por orgias de comer o que vê pela frente.
E o que a família real pensava sobre esse seu problema desagradável, perguntou o entrevistador? "Diziam que eu estava desperdiçando comida", respondeu a princesa Di, com cara de tacho.
AQUELA Palavra
Na mesma noite em que a princesa soltou sua overdose de paranóia principesca na televisão, os intelectuais ingleses foram atingidos em cheio por um espetáculo realmente chocante.
Foi a espantosa estréia d'AQUELA palavra nas legendas da Royal Opera House. A palavra "fuck apareceu projetada na tradução eletrônica, em toda sua obscenidade. Vários lordes e ladies chegaram muito perto de desmaiar ou de imitar o comportamento dos bulímicos.
Ali estava ela, descaradamente inserida no diálogo do primeiro ato na noite de estréia de "Mathis der Mader", de Paul Hindemith: "Any scum can fuck" (qualquer gentinha vulgar pode foder).
O diretor queria que o diálogo fosse "nu e cru". Mas os tradicionalistas na platéia deram sinais de desagrado. Vários lugares vagaram antes do final do espetáculo. Mais um pouco e teria sido o teatro inteiro.
"The Loo"
Uma coisa vem me preocupando profundamente: agora que estou velho, minha mente parece girar constantemente em torno de temas sujos.
Trata-se de um fenômeno muito conhecido entre homens de certa idade -mas o fato é que eu sempre tive uma mente suja, mesmo quando era criança.
Os ingleses têm uma gama fantástica de palavras expressivas. Uma das minhas prediletas é a palavra "loo". Significado: privada.
A palavra vem da Idade Média, quando se falava francês em partes da Escócia. Os modernos esgotos canalizados ainda não existiam.
As pessoas tinham o hábito funcional de esvaziar seus penicos atirando o conteúdo pela janela simplesmente.
Para evitar acidentes inevitáveis envolvendo os infelizes que pudessem se encontrar sob a janela, gritava-se "Garde léau!", ou seja "Cuidado com a água!"
"Léau" acabou se transformando em "loo", e assim chegamos à gíria comumente usada hoje na Inglaterra para designar privada.
E isto nos leva ao tema do destino injusto de certas privadas famosas. As privadas poderiam ser vistas como metáforas da fama. Não há nada tão esquecido quanto uma privada velha etc.
Tomemos o caso do "loo que pertenceu por anos a Margaret Thatcher -a baronesa Thatcher agora.
Há dez anos, aproximadamente, a privada pessoal e privada da baronesa Thatcher foi jogada fora num lixão londrino.
Ali foi vista e resgatada por uma senhora extremamente inglesa, dona do nome extremamente inglês de Edemy Broughton-Adderley.
Com muito orgulho, a sra. Broughton-Adderley instalou o "loo" que havia acariciado as partes inferiores da baronesa Thatcher em sua sala de estar, como peça decorativa.
E aí está a amarga lição a ser aprendida sobre a natureza efêmera da fama.
A sra. Broughon-Adderley vem se queixando de que o artefato histórico em questão, que já foi de tão grande importância, já não atrai a atenção que seria devida a um "water closet" tão digno.
Os espectadores não se amontoam à volta do "loo", não o tocam e sequer pedem para limpá-lo.
Considerando as coisas esdrúxulas que hoje em dia podem ser vistas nas salas de estar londrinas, muito poucas pessoas sequer se dão conta de que o "loo" da baronesa Thatcher está ali.

Tradução de Clara Allain

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