São Paulo, sexta-feira, 8 de dezembro de 1995
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'Guru' de Chirac adere a movimento

CATHERINE SEGAL
DO "WORLD MEDIA"

Seis meses após a eleição de Jacques Chirac para a Presidência, a França mergulha numa crise social que faz lembrar maio de 1968.
Emmanuel Todd, 44, pesquisador do Instituto National de Estudos Demográficos (funcionário público), também está em greve. Durante a campanha eleitoral de Chirac, ele chegou a ser visto como seu "guru". Sociólogo e demógrafo, Todd doutorou-se em história pela Universidade de Cambridge (Reino Unido).
Seu artigo analisando as divisões que se acentuavam na sociedade francesa tornou-se célebre por haver inspirado Chirac em sua campanha presidencial.
O artigo exortava a classe governante a restabelecer o contato com os cidadãos comuns, numa época marcada pela ruptura da confiança entre as duas classes.
Nesta entrevista concedida ao "World Media", Todd discute as razões por trás dessa nova "revolta francesa".

"World Media" - A que categoria social pertencem as pessoas que estão indo às ruas?
Emmanuel Todd - A origem social dos grevistas é mais diversificada do que se imagina. O movimento começou por iniciativa dos ferroviários e dos empregados dos correios, pessoas de baixa renda. Mas as classes médias também estão representadas.
O norte da França se encontra em revolta há muito tempo, como vimos nas eleições européias e nas presidenciais, com os votos para Tapie (Bernard) e Le Pen (Jean-Marie). Desta vez, mesmo as classes médias das regiões "comportadas" se revoltaram.
"World Media" - Na sua opinião, as elites francesas são incapazes de administrar os problemas da sociedade?
Todd - Os problemas econômicos parecem fugir do controle das elites. Elas têm dificuldade em definir as prioridades de uma sociedade em recessão.
A classe dirigente francesa comete sempre os mesmos erros, por autoritarismo: ela não compreendeu que não se pode imitar simultaneamente o liberalismo financeiro anglo-saxão e a disciplina monetária alemã.
O problema dos altos funcionários franceses é que eles não compreendem as leis do mercado. Jean-Claude Trichet, diretor do Banco da França, se acha moderno, mas é um burocrata. A alta das taxas de juros, necessária para a defesa do franco, asfixia o setor da construção civil, o pequeno comércio, a imprensa.
Na França, as elites se apegam à idéia de que existe um volume imutável de renda a dividir. Os meios populares me parecem ter uma visão mais clara. Quando as pessoas dizem que não confiam mais no governo Juppé para reformar a seguridade social, estão dando provas de mais lucidez do que seus dirigentes.
"World Media" - Desde que o governo Juppé ameaçou dar marcha a ré em seu programa de austeridade, os mercados financeiros vêm fazendo sanções ao franco. O senhor tem a impressão de que o primeiro-ministro está de mãos atadas?
Todd - Sim, e isso é um efeito perverso do dogma da paridade entre franco e marco. Querem vincular o destino das duas moedas -mas os contextos socioeconômicos francês e alemão são muito diferentes. O que me chama a atenção é a correlação que existe entre a política monetária alemã, muito restritiva, e a descompressão geográfica observada nesse país. Como seguir a mesma política econômica em dois países cujas situações são tão diferentes?
"World Media" - A médio prazo, o senhor acha que a situação econômica e social francesa é mais favorável do que a alemã?
Todd - Nossas elites têm uma espécie de obsessão com a Alemanha, que sempre procuram imitar. Elas estão cometendo um engano, porque a Alemanha também tem suas fraquezas. A França possui vantagens demográficas e uma boa capacidade de assimilação dos imigrantes, mas tem grande proporção de pessoas pouco qualificadas.
"World Media" - A Alemanha pode atingir consensos que lhe permitem engajar-se em reformas sem correr o risco de cair numa greve geral. Pode-se falar em modelo alemão?
Todd - A França e a Alemanha nunca funcionaram da mesma maneira em momento algum de suas histórias. Na Alemanha, há poderes locais ao mesmo tempo mais autônomos e mais autoritários do que na França.
Os franceses funcionam num modelo que combina uma forte centralização do Estado e uma espetacular ausência de controles sobre o indivíduo. O movimento atual se inscreve na linhagem das diferentes revoluções e revoltas francesas, incluindo aquela de 1968. O francês faz parte da categoria dos indivíduos que se sublevam quando querem lhe impor alguma coisa que não o agrada.
"World Media" - Como será possível sair dessa crise? Por meio de um grande esforço geral ou por uma saída política?
Todd - Nas últimas eleições presidenciais francesas, o candidato Chirac anunciou um programa. Mas seu governo vem implementando o inverso do que prometeu. Assim, enquanto na França a função do presidente da República é sacralizada, o poder é desconsiderado e acaba por carecer de legitimidade política. Torna-se impossível para o governo negociar a seguridade social ou o estatuto dos funcionários públicos. Os franceses não perdoam o governo por essa violação da democracia.
A França precisaria de um premiê que não se contentasse em amar a França, mas amasse os franceses do jeito que são.
"World Media" - Com a crise atual, existe a possibilidade de renascimento da idéia de nação?
Todd - Fora da França existe uma consciência bastante aguda do retorno com força total do conceito de nação. Os alemães e ingleses têm uma idéia espontânea e natural da nação. O grande tema da Alemanha nos anos 90 é a reconstrução de uma nação. E os ingleses nunca duvidaram de que constituem uma nação.
A França, ou mais precisamente sua classe dirigente, nunca compreendeu isso. É um efeito do universalismo francês.
"World Media" - Certos partidos na França -encabeçados pela Frente Nacional- não se referem sempre à nação?
Todd - Diferentemente das elites, os meios populares e as classes médias sentem necessidade da nação. As últimas eleições deixaram isso claro: no primeiro turno das eleições presidenciais vimos o crescimento da Frente Nacional entre os meios populares.
Cada vez que os dirigentes franceses dão a impressão de seguir as orientações de Bruxelas ou do Bundesbank, eles perdem legitimidade. Foi na véspera das eleições européias de 1994, quando os franceses se deram conta de que o governo já não tinha o direito de proibir a British Airways de aterrissar em Orly, que eles deixaram de levá-lo a sério.

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