São Paulo, sábado, 9 de dezembro de 1995
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A nova lei dos juizados especiais: avanços e recuos

RUY TOURINHO

A lei nº 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Cíveis e Criminais, trouxe inegáveis avanços, mas pecou por omissões e recuos.
Eis a primeira questão, que se converte em problema. O Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90) ordenou que para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo se criassem Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas (art. 5º, IV).
Ocorre que, na competência dos Juizados Especiais, segundo a previsão da lei 9.099/95, não se incluiu a matéria das relações de consumo. E o pior é que, determinando a lei nova que "somente pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial (art. 8º, parágrafo 1º), excluiu a pessoa jurídica, que também é consumidor (art. 2º do Código de Defesa do Consumidor).
Valha a lembrança, para acentuar a importância do tema, de que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e interesse social, nos termos da Constituição Federal (arts. 5º, XXXII, 170, V). Será que as normas de ordem pública comportam tratamento tão incompatível?
De notar ainda, quanto a isso, que a revogada lei 7.244/84 (art. 3º, II) tratou do "cumprimento de obrigação de fazer, a cargo de fabricante ou fornecedor de bens e serviços para consumo, vale acentuar, relações de consumo, que a recente lei não incluiu explicitamente na competência "ratione materiae dos Juizados Cíveis.
Acresça-se, ademais, que a lei 9.099 revogou expressamente, tão só, a lei 7.244/84 e a 4.611/65, sem que tivesse aludido às "demais disposições em contrário. E, aqui, cabe perguntar: o precitado art. 5º, IV, do Código de Defesa do Consumidor, que versa sobre o Juizado Especial de Pequenas Causas, teria sido revogado?
É de admitir-se que não. No caso, poder-se-ia adotar uma solução muito simples. Os litígios de consumo, cujo valor não ultrapassassem a 40 salários mínimos, ficariam na esfera dos Juizados Especiais Cíveis; os que excedessem a esse limite seriam submetidos à competência de Varas Especializadas de Defesa do Consumidor, criadas para esse fim, e seria mantida, tanto quanto possível, a estrutura funcional dos Juizados Cíveis.
Perplexidade similar assalta ao intérprete que percorre o texto em busca de novidade. É que, ao tratar dos Juizados Criminais, soa o art. 92 da lei nova: "aplicam-se subsidiariamente às disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta lei. Entretanto, regra semelhante à lei não abrigou em torno dos Juizados Cíveis, no sentido de cogitar de que se lhe apliquem expressamente as disposições do Código de Processo Civil.
Ao contrário, algumas matérias da lei não guardam sintonia com a recente reforma do Código (lei 8.950/94). É o que acontece, para exemplificar, com os embargos de declaração. Enquanto o Código, no art. 535, não mais os admite, ao fundamento de haver ocorrido dúvida, na sentença ou no acórdão, a lei 9.099/95 os acolhe (art. 48).
No mesmo diapasão, o Código de Processo inovado determina que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos (art. 538).
Já a lei dos Juizados diz que, quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspendem o prazo para recurso.
Divergência de idêntico quilate hospedam os arts. 511 e 42, parágrafo 1º, do Código e da lei, respectivamente. No primeiro caso, o preparo do recurso deve ser comprovado pelo recorrente, no ato de sua interposição. No segundo, o preparo dar-se-á nas 48 horas seguintes à interposição. Aqui, o legislador conspirou contra a celeridade processual nos Juizados.
A matéria desafia outra abordagem, reveladora de avanços e recuos, que faremos oportunamente.

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