São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Experimento o que é ser homem'

OTÁVIO DIAS
DE LONDRES

Desde que deixou barba e bigode crescer há alguns meses, a fotógrafa norte-americana Della Grace, 38, tornou-se um drag king em tempo integral.
Ao andar pelas ruas, confunde as pessoas, que não conseguem definir com clareza se estão diante de um homem ou uma mulher.
"Estou interessada na reação das pessoas no dia-a-dia. Pra mim, isto é mais que diversão. Tem conteúdo político", afirma Della Grace, cujo nome de drag king é mr. Vesúvio.
Nascida na Califórnia e há dez anos vivendo em Londres, ela conta à Folha porque decidiu ser drag king e qual é a reação das pessoas diante dessa mulher de barba e bigode ruivos, extremamente direta e objetiva, mas, ao mesmo tempo, com uma voz doce e suave. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Folha - Por que você decidiu ser um drag king?
Della Grace - Prefiro o termo "hermafrodyke". "Dyke" é uma palavra mais agressiva para lésbica. Você pode não saber se uma pessoa é lésbica, mas sempre se sabe se uma pessoa é "dyke". Todo mundo tem uma combinação de qualidades masculinas e femininas, mas deixar que isso torne-se visual é um tabu.
Como drag king, experimento o que representa ser homem em nossa sociedade. Quando ando na rua, nunca saio do caminho por causa de alguém. As mulheres sempre saem do caminho. Elas precisam parar de representar o papel de vítimas. Isso é crucial.
Folha - Quando você deixou sua barba crescer?
Della Grace - Foi no começo do primeiro semestre deste ano. Com essa barba, eu sou o rei da selva, sou um leão. Eu gosto de estar no topo, ser o chefe, e agora tenho algo que ninguém mais tem.
Folha - Mas a barba de verdade faz de você um drag king em tempo integral?
Della Grace - Sim, eu sempre tenho essa barba e quando ando nas ruas muitas pessoas pensam que eu sou homem.
Folha - E como é a reação das pessoas?
Della Grace - Às vezes pode ser perigoso porque as pessoas se sentem ameaçadas. Mas às vezes é positivo. Uma vez, na Finlândia, conheci um marinheiro que adorou minha barba. Trocamos nossas roupas e começamos a nos beijar. Acho que ele era gay. Na língua finlandesa, não há masculino e feminino, não há ele ou ela, todo mundo é um.
Folha - Como é o seu processo de transformação?
Della Grace - Reforço minha barba, que é vermelha, pintando-a de cores mais escuras. Normalmente coloco um terno. No meio das pernas, costumo usar uma camisinha e um balão, cheios de gel e com duas bolas. O efeito quando você toca é bastante real, como se fosse um pênis. O ruim é que ele nunca fica ereto. Às vezes, também uso vestidos e me visto de maneira extremamente feminina. O que tento mostrar é que, qualquer que seja a escolha que você faça ao se vestir, você está mostrando uma idéia sobre gênero.

Texto Anterior: COMO SE VESTIR COMO UM DRAG KING
Próximo Texto: Filme tratou do tema em 80
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.