São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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Por que construir uma Alphaville sem muros

BRUNO ROBERTO PADOVANO

A expressão "self-help" (auto-ajuda) e suas derivações brasileiras ("mutirão" e "auto-construção") foi sem dúvida uma das palavras-chaves do urbanismo e da arquitetura nas décadas de 60 a 80.
Significava basicamente que o Estado havia esgotado suas possibilidades de fornecer habitação de forma eficiente para a população de baixa renda e que, com ou sem a sua ajuda, esta última tinha de se "virar" para resolver o problema de ter um teto sobre a cabeça.
Em parte, a idéia acabou vingando e formou a base de propostas como a "casa-embrião", sem, no entanto, uma visão urbanística do problema.
Sem existirem opções, esse recurso individualizante foi amplamente utilizado de forma "espontânea" pelas camadas de renda mais baixa no Brasil, como atestam nossas imensas periferias e áreas faveladas das grandes metrópoles.
A falência do Estado como provedor de alternativas habitacionais na escala e rapidez exigidas pela intensa urbanização levou a iniciativa privada a assumir, ao criar os loteamentos e condomínios fechados para classe média e alta, parte das responsabilidades do setor público (vias, segurança, limpeza etc.), numa postura que também é individualista e privatizante.
Os resultados dessa empreitada, apesar do sucesso desses condomínios, têm demonstrado estarem aquém do esperado para a cidade como um todo.
A fórmula da auto-ajuda sem uma mínima ética urbana, sem uma visão coletiva dos problemas sociais e físico-espaciais das áreas metropolitanas, está gerando uma sociedade de privilegiados e excluídos, com uma clara demarcação territorial.
O resultado é um verdadeiro "apartheid" brasileiro.
Em tempos recentes, uma visão mais abrangente tem surgido no Brasil com o conceito de parceria entre Estado e iniciativa privada, por meio de idéias como "Operações Interligadas" e "Projeto Cingapura", e por intermédio da percepção de que a cooperação pode ser a palavra-chave para uma nova atitude social e política.
Abre-se, lenta e timidamente, um campo novo de possibilidades urbanísticas e arquitetônicas que deveriam ser ampliadas e discutidas pelos diversos setores da sociedade, visando definir diretrizes de caráter coletivo.
Por exemplo, por que não aliamos a um dos megaprojetos que as grandes construtoras estudam nas periferias das áreas metropolitanas um projeto-piloto numa determinada área da metrópole, onde, através da ajuda mútua entre Estado, comunidade e empreendedores imobiliários, e de uma coordenação de ações e medidas, fosse possível construir uma Alphaville sem muros, portarias e sentinelas?
E lucrativa para o empresário imobiliário.

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