São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 1995
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Jocy conta o mito da prostituta sagrada

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A pianista e compositora Jocy de Oliveira, 58, está lançando em CD sua ópera "Inori, a Prostituta Sagrada", primeiro episódio de uma trilogia dedicada ao tema da mulher e seus mitos.
A gravação foi feita no Rio, em 93, quando a peça foi encenada no Espaço Cultural Banco do Brasil. Seu lançamento é simultâneo no Brasil, Europa e Estados Unidos.
"Inori" significa oração, em japonês, e dura 74 minutos. Eis os principais trechos da entrevista da compositora à Folha:

Folha - 'Inori' tem uma forma híbrida de composição, com trechos que lembram música contemporânea européia e outros harmonia hinduísta ou registro etnográfico. Por que a mistura?
Jocy de Oliveira - É muito mais pelo que eu sinto e menos em razão do que eu possa elaborar intelectualmente. A pesquisa que deu lugar ao libreto foi feita simultaneamente à música.
Meu conhecimento anterior sobre o mito da prostituta sagrada era mais intuitivo. Na medida em que me informava em diversas fontes -no Nepal e o que ele ainda possui de sociedade matriarcal, junto ao índio brasileiro, na literatura de pesquisadoras junguianas- fui também incorporando uma linguagem mais abrangente.
Folha - Mesmo tendo sido montada no Rio e em Berlim, "Inori" possui uma autonomia musical? Pode ser sentida só musicalmente?
Jocy - Foi essa sem dúvida a minha intenção, porque mesmo os trabalhos dos atores é musical. Isso ficou claro em nossa preparação durante um ano e meio. Os parâmetros de intensidade, ritmo e dinâmica são dados pela música e não pelo texto.
Folha - "Inori" é o início de uma trilogia da qual "Illud Tempus" é o segundo momento. Qual será o terceiro?
Jocy - Acabo de receber uma bolsa da Rioarte para poder terminar esse último episódio. Não posso adiantar muito sobre ele, mas continuará centrado na mulher, nos valores do feminino. "Inori" foi mais mítico. "Illud" foi mais calcada em contos e fábulas. Prossigo desvendando essa questão.
Folha - O que é preponderante: a informação antropológica crua -você fala da relatividade da morte entre os índios Bororó- ou sua elaboração segundo a perspectiva de Jung?
Jocy - Um caminho leva ao outro. O multicultural, o fato de se encontrar o mesmo mito em muitas sociedades, é para nós no Brasil muito importante.
Isso nos traz nossas próprias origens. A leitura de Arnold Van Gennep, de Mircea Eliáde, me levou à conceituação da mulher, da deusa, do Planeta, e da nossa própria cultura como fator derivado.
Folha - Um trabalho como "Inori" só se viabilizou por meio do apoio da Rioarte (Prefeitura do Rio) e da TVE (Fundação Roquete Pinto). Você acha que estamos caminhando para o momento em que a música contemporânea poderá dispensar o apoio oficial?
Jocy - Nós estamos em verdade caminhando para trás. Há 20 anos tínhamos maiores condições de sobrevivência no mercado, com relativa autonomia de patrocínios oficiais. Não me refiro a mim, pessoalmente.
Penso no compositor de 20 anos, como ele sobreviverá num ambiente que é discriminatório? A discriminação ocorre até no plano oficial. O Teatro Municipal de São Paulo não quis encenar há dois anos "Inori".
Fecha-se, assim, um círculo vicioso: o distanciamento entre o público e a música contemporânea aumenta pela inexistência de canais que permitam que essa música chega a ele, e com isso ele também deixa de consumir essa mesma música dentro do mercado.

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