São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 1995
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Aborto: volta ao passado

MARIA ISABEL B. DA ROCHA

Em 1949, o então deputado monsenhor Arruda Câmara apresentou projeto de lei à Câmara dos Deputados tentando revogar os dois dispositivos do Código Penal que permitem, ou melhor, não consideram crime, o aborto provocado exclusivamente nos casos de risco de vida para a gestante e na gravidez resultante de estupro.
Passados 46 anos -em que o debate em torno da questão do aborto evoluiu muito mais no sentido de ampliar os direitos das mulheres do que de restringi-los-, a Câmara está discutindo uma proposta de emenda constitucional que, se aprovada, significaria imenso retrocesso, além de ir de encontro a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Trata-se de nova tentativa de criminalizar o aborto em qualquer circunstância, agora por caminhos diferentes. Não se mexe diretamente no Código Penal. O que se procura, na proposta de emenda de autoria do deputado Severino Cavalcanti, é acrescentar à Constituição dispositivo sobre a inviolabilidade do direito à vida "desde a sua concepção, o que, na letra da lei, acabaria tornando crime mesmo os abortos em caso de risco de vida da mulher ou de gravidez fruto de estupro.
Desde a frustrada iniciativa do monsenhor Arruda Câmara, já se apresentaram nada menos que 53 projetos envolvendo a questão do aborto, incluindo-se nessa conta os reapresentados, desarquivados e substitutivos. É importante registrar que, em sua grande maioria -sobretudo os dos últimos cinco anos-, são de alguma maneira favoráveis à permissibilidade do aborto. Essa tendência a não restringir direitos das mulheres já se manifesta na Constituinte de 1988, quando grupos religiosos fizeram pressão para que se incluísse na Constituição a expressão "desde o momento da concepção.
Portanto, a proposta de emenda constitucional agora em discussão choca-se com o grau de amadurecimento que o assunto alcançou no parlamento brasileiro, consequência da evolução do debate na própria sociedade.
Além de ferir direitos adquiridos, ela contraria as posições assumidas pelo governo brasileiro nas recentes conferencias internacionais sobre população e desenvolvimento, no Cairo, e sobre a mulher, em Pequim, de cujos documentos finais o Brasil é signatário. Na primeira, a questão do aborto foi reconhecida como "grave problema de saúde pública. A segunda recomendou a todos os países que considerem "a possibilidade de revisar leis que contenham medidas punitivas contra mulheres que realizam abortos ilegais.

MARIA ISABEL BALTAR DA ROCHA, 49, socióloga, é pesquisadora na área de saúde reprodutiva do Núcleo de Estudos de População da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro da Comissão de Cidadania e Reprodução.

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