São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995
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Santos, 'o mais carioca dos times'

NELSON RODRIGUES

Amigos, o brasileiro é o homem de sua rua, do seu bairro, de sua cidade. Já escrevi isso umas cinquenta vezes. Como eu ia dizendo: - para qualquer um de nós a viagem é um sacrifício hediondo. A partir do Méier, baixa no sujeito uma aguda e desesperada saudade. Eu sei que uns poucos gostam de viajar. São os falsos brasileiros, descaracterizados, cosmopolitas e, numa palavra, bobos irreversíveis.
Daí a tragédia dos times que saem, por aí, nas ignominiosas excursões caça-níqueis. Fora do aquário natal o craque brasileiro afoga. Por exemplo: - Didi. Por que fracassou na Espanha o "Príncipe Etíope de Rancho"? Foi uma vítima da nostalgia. Melhor que todos os seus companheiros de Real Madrid, Didi acabou apagando. Foi barrado, até. Contam que, nas tardes frias, ele só faltava uivar de saudade.
E, se assim aconteceu com o extraordinário jogador, imagino que os demais devam ter a mesmíssima reação. Outro exemplo: - o Santos. É o melhor time do mundo. Houve momentos em que se disse por aqui: - "O verdadeiro escrete brasileiro é o Santos!". E, de fato, quando o Santos joga bem, lembra as melhores atuações da seleção de 58.
E, no entanto, o esquadrão de Vila Belmiro virou saco de pancada. Apanhou de cinco do Independientes, de cinco do Peñarol e, sábado, de três do Colo Colo. Como eu dizia ontem, o Santos adquiriu o vício de perder. Apanha do grande e do pequeno. Qualquer dia desses vamos vê-lo tomar um banho do Arranca-Toco F. C. A coisa toma um ar meio sobrenatural. Não há explicação possível. O Santos é, indubitavelmente, um esquadrão de ouro. Além de tantos valores conhecidos e consagrados, lá está o maior de todos: - Pelé.
Um quadro que tem Pelé está na obrigação de ganhar de todo mundo. E por que perde? Porque deixou de ser um time brasileiro. Sim, transformou-se numa equipe internacional. Reparem: - o Santos faz turismo no Brasil. Um dia está na Argentina; em seguida, no Chile; e, depois, na Bolívia, no Peru. Seus jogadores são aplaudidos, vaiados e xingados em todos os idiomas.
A meu ver, baixou no Santos o tédio desesperador de tantas viagens. Que espécie de estímulo pode ter um time cujos adversários mudam de sotaque três vezes por semana? A equipe voltaria à sua melhor forma, ao seu grande ímpeto, se parasse. Ponham o Santos para jogar no Maracanã, só no Maracanã. Eu não diria no Pacaembu. Em São Paulo há um ressentimento contra o quadro de Vila Belmiro. Mas aqui, no maior estádio do mundo, o Santos tornaria a encontrar seu clima.
Vocês querem saber a última verdade sobre o Santos? Ei-la: - é o mais carioca dos times. Só por um equívoco crasso e ignaro nasceu em Vila Belmiro. Mas a verdade é que, por índole, por vocação, por fatalidade - ele encontra, no Maracanã, uma dimensão nova e decisiva. É ali, no colosso do Derby, que o Santos mereceu as suas aclamações mais formidáveis. A multidão só falta carregá-lo no colo e passear com Pelé na bandeja, triunfalmente.
Não me venham com explicações técnicas, táticas para seus fracassos. Esse time, que pára em todas as pátrias, menos na própria, estourou o limite de saturação. Qualquer viagem o aniquila. Tem que deixar de ser um pobre e errante quadro internacional. E o pior é que até Vila Belmiro soa como um exílio porque o Santos nasceu no lugar errado. Sua verdadeira casa é o Maracanã. Ah, se ele conseguisse naturalizar-se carioca - seria uma equipe imbatível e eterna.

Artigo publicado originalmente em "O Globo", no dia 3 de março de 1964, com o título "O Mais Carioca dos Times". Integrante da coletânea "À Sombra das Chuteiras Imortais - Crônicas de Futebol", seleção de Ruy Castro, Companhia das Letras, 1993

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