São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995
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Futurismo italiano foi à mesa com paixão

HAMILTON MELLÃO JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mussolini e os fascistas sabiam o quanto a cultura poderia ajudá-los no controle da Itália e por isso apoiaram o movimento futurista, que queria quebrar todas as regras preestabelecidas da arte.
Curiosamente, o Futurismo foi um dos únicos movimentos estéticos a associar culinária e cultura.
Em 15 de novembro de 1930, uma questão agitou os maiores futuristas italianos, como Marinetti, Balla, Boccioni, Russolo: fazer uma "revolução culinária, de vastas proporções e sem precedentes, baseada na importância da alimentação na capacidade criativa, fecundativa e agressiva da raça.
Nesta noite, o restaurante milanês Penna d'Oca, abriu a mente e os estômagos sonolentos dos convidados com um jantar de iniciação.
O menu era composto por caldo de rosa e sol; zig, zug, zag; cordeiro assado com molho de leão; sangue de Baco em taças; frutas cultivadas no jardim de Eva. Apesar dos nomes esdrúxulos, os convidados gostaram muito e até aplaudiram os cozinheiros. Mas Marinetti se ofendeu e considerou o cardápio timidamente original e ligado à burra tradição.
Um mês depois, a "Gazzeta del Popolo", de Turim, publicou o famoso manifesto da cozinha futurista, com um apaixonado discurso de Marinetti.
Entre outras coisas, ele declarou guerra aberta ao macarrão, que, segundo ele, torna os homens lentos, pessimistas, melancólicos e principalmente antiviris.
Imagine a revolução que o manifesto causou na Itália. Entre os que ficaram a favor e contra o macarrão, surgiram defesas apaixonadas dos dois lados e a questão foi até discutida no Senado. O filósofo Schopenhauer meteu a colher e declarou: "O macarrão é a alimentação dos perdedores.
Finalmente conseguiram fazer um jantar que declararam autenticamente futurista. Um exemplo: foi servido um prato com um quarto de erva doce, uma azeitona e uma fruta cristalizada. Enquanto as pessoas comiam, deveriam ter sensações táteis, passando os dedos em um damasco seco, um veludo negro e um pedaço de vidro. Tudo isso acompanhado por uma ópera de Wagner em alto volume. Em suma, eles queriam juntar os cinco sentidos numa refeição.
Com a aproximação da guerra, largaram os deliciosos delírios estéticos e colocaram a imaginação para servir efetivamente à pátria.
A Itália não conseguia exportar seu arroz e por isso ele é imediatamente eleito como o alimento futurista. Todos deveriam comer arroz, a comida certa para o povo italiano. Foi feita uma campanha enorme na imprensa para seu consumo.
Para sustentar sua colônia Abissínia (hoje Argélia), grande produtora de banana, a fruta foi apresentada como a solução para todos os males pelos nutricionistas fascistas. Todos deveriam comer pelo menos uma dúzia ao dia.
O movimento futurista acabou diluindo-se, juntamente com o espírito fascista, mas não deixaram de influenciar as artes nas décadas seguintes.

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