São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995
Próximo Texto | Índice

Livro reconstitui encontros insólitos

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Entrevistas imaginárias, com Shakespeare e até Cristo, vários já fizeram -inclusive ilustradas por traços ilustres como os de Miguel Covarrubias, um dos destaques da revista "Vanity Fair" nos anos 20 e 30. Algo tão ou mais sedutor ocorreu a William Whitworth, 13 anos atrás: uma série de encontros memoráveis -não imaginários, reais- reconstituídos por Nancy Caldwell Sorel e ilustrados pelo marido dela, Edward Sorel, estrela maior da revista "The Atlantic Monthly", editada por Whitworth.
Ano passado, ela virou livro nos Estados Unidos, com o título de "First Encounters", que acaba de ser traduzido pela José Olympio com o título de "Primeiros Encontros" (129 págs., R$ 39,50).
"Boa e suculenta fofoca histórica", diz Luis Fernando Veríssimo no prefácio. E com muitos outros encontros à espera de exumação, acrescente-se. O casal Sorel recriou apenas 63, sempre inspirado em fontes idôneas, geralmente biografias e memórias. Como era inevitável, certas reconstituições quase tiveram de ser feitas pelo método Rashomon. Existem pelo menos três versões do encontro de Fred Astaire com Count Basie, no verão de 1960, para a criação de um balé.
Alguns casos têm pouca graça, ou porque foram mesmo sem graça ou porque se banalizaram (o de John Smith com Pocahontas virou desenho animado e o de Pascal com Descartes já rendeu até uma peça) ou, ainda, porque seus protagonistas deixaram há décadas de nos interessar.
A maioria dos encontros, porém, é deleite garantido. Sobretudo os marcados por alguma saia justa: Stalin com Churchill, Fritz Lang com Goebbels, Chaplin e Jean Cocteau. Os dois primeiros são conhecidos. O terceiro, não.
A bordo de um navio japonês pelos mares do oriente, em 1936, Cocteau avista Chaplin, de férias com Paulette Goddard, convida-o para um aperitivo, os dois se entediam com a ajuda de uma tradutora xucra, acertam um almoço "pro forma" -e passam o resto da viagem fugindo um do outro, como numa comédia de Carlitos.
Orson Welles e William Randolph Hearst passaram por constrangimento menor, mas apenas em duração. Sim, os dois se encontraram. E justo no dia da estréia do filme "Cidadão Kane" em San Francisco. O magnata da imprensa americana se surpreendeu ao lado do cineasta no elevador do hotel Fairmont. Para ser simpático, Welles apresentou-se como o filho do velho amigo do empresário, e convidou-o para a première. O convite foi recebido com desconcertante silêncio. Ao sair do elevador, Hearst ouviu a seguinte tirada: "Charles Foster Kane teria aceitado".
Não chegam a ser muitos os encontros que redundaram em namoros e lendárias uniões: Jean-Paul Sartre & Simone De Beauvoir (discutiram Leibniz!), Lotte Lenya & Kurt Weill (passearam de barco a remo); Mary McCarthy & Edmund Wilson (ela o seduziu na redação da "Partisan Review"). Das cantadas que não deram certo, a mais edificante talvez seja a do bilionário Howard Hughes, aplicada em Ingrid Bergman. Conheceram-se numa festa em Nova York, circa 1948, fecharam a noite dançando no El Morocco -e nada. Hughes comprou os estúdios da RKO para ela, mas Ingrid preferiu o pobre Roberto Rosselini.
A mais memorável? A da dançarina Isadora Duncan e Stanislavski. Além de casado, Stanislavski era puritano e sem jogo de cintura. Diante da cama de Isadora, ponderou, sem sequer tirar o chapéu: "Mas o que faremos com uma criança?" "Mas que criança?", perguntou a dançarina. "Ora, a nossa, claro", respondeu ele. "Eu jamais aprovaria que um filho meu fosse criado longe de meus olhos". E em seguida voltou para os braços da mulher.
Gustav Mahler talvez reagisse de outra maneira. Infeliz em seu casamento com Alma, roendo-se de ciúmes das investidas de Walter Gropius, e com crises de impotência, foi procurar Freud, de férias no interior da Holanda, para uma consulta de emergência. Submetido a uma minianálise peripatética pelas ruas de Leyden, Mahler se convenceu de que tinha fixação na mãe e voltou para casa curado.
O gênio do jazz Fats Waller não se curou de nada, mas ficou rico. Graças ao gângster Al Capone. Mas honestamente. Na maior dureza em Chicago, tocando piano no bar de um hotel, Waller foi sequestrado uma noite por indivíduos mal-encarados. Certo de que em poucos minutos viraria presunto, qual não foi sua surpresa quando o desovaram num salão elegante, onde Capone comemorava aniversário. O pianista era um de seus presentes. A festa durou três dias, durante os quais Waller tocou sem parar, encharcou-se de champanhe e encheu de dólares os bolsos do paletó. Com direito a traslado numa limusine.

Próximo Texto: Coluna Joyce Pascowitch
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.