São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995
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Araújo vai doar canções de Gil

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Ex-empresário e ex-amigo do compositor Gilberto Gil, o promoter Guilherme Araújo disse que vai doar a instituições de apoio a portadores da Aids a porcentagem que recebe sobre os direitos autorais das canções de Gil.
Há três anos Gilberto Gil entrou na justiça para tentar reaver os 20% dos direitos que Araújo recebe sobre mais de 70 de suas canções, entre elas "Aquele abraço", "Divino, maravilhoso", "Expresso 2222" e "Refazenda".
Guilherme Araújo foi empresário e responsável pelo lançamento de Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia. Hoje, aos 59 anos, ele vive a rotina de um homem diabético e que há dois meses teve um infarto.
Prepara a autobiografia "Nunca fui santa", que, segundo ele, será uma mistura de pecados com música popular brasileira.
A autobiografia e a briga com Gilberto Gil foram alguns dos assuntos da entrevista que Guilherme Araújo concedeu à Folha em sua casa, na semana passada:

Folha - Por que o senhor rompeu com Gilberto Gil?
Guilherme Araújo - Deixei de falar com ele porque ele não teve nenhuma consideração comigo. Quando eles (Gil e Caetano) começaram a trabalhar comigo, em 66, não ganhavam dinheiro nenhum. Vinte por cento de zero é zero. Eu tinha que manter o escritório, pagar secretária, boy, telefone. Quero os meus direitos pelos serviços prestados nessa época.O contrato era para toda a vida. Gil é um grande compositor, mas é mau empresário porque não quer me pagar.
Folha - Por que o senhor vai devolver os direitos sobre as canções de Caetano e as de Gil não?
Araújo - Não é vingança, mas quero ver se ele vai brigar com os aidéticos. Vou dar para o Viva Cazuza e o Gapa de São Paulo. Tive um infarto agora e não quero me aborrecer. Caetano não, é meu amigo até hoje. Vou devolver a ele quando eu morrer.
Folha - Como o senhor começou a trabalhar com o grupo dos baianos?
Araújo - Eu cheguei da Europa e tive a grande surpresa de encontrar Maria Bethânia parada, depois do grande sucesso do Opinião. Ela já tinha se tornado uma estrela e voltou para a Bahia, estava lá sem fazer nada. Entrei em contato com ela, ela veio para o Rio de Janeiro, e fizemos o primeiro recital na boate Cangaceiro, em Copacabana. Ela me convidou para ser empresário e me apresentou aos outros. Fui empresário de todos. Durou muito pouco com Bethânia, porque eu estava ocupado com os outros e ela, que é uma pessoa maravilhosa, queria um empresário com mais tempo.
Folha - Qual a importância que o senhor acha que teve para eles?
Araújo - Total, para Gal, Gilberto Gil e Caetano. De Gal, dei inclusive o nome, Gal Costa. Gal era o apelido dela em família, e tinha que escolher um sobrenome. O nome todo era Maria da Graça Costa Penna Burgos, e escolhi Costa porque era o mais fácil. Passei uma noite inteira escrevendo Gal com o, com u, com l, mas acabou ficando com l mesmo. Caetano não tinha um tostão, morou quase um ano e meio comigo, na minha casa em São Paulo.
Folha - O senhor acompanhou a carreira deles todos?
Araújo - Sim, inclusive fui eu que coloquei as guitarras elétricas na música popular brasileira. Eu queria usar os instrumentos novos, como a guitarra e o baixo elétrico. Propus isso para as músicas "Domingo no Parque" e "Alegria, Alegria".
Folha - Essas são histórias da sua autobiografia?
Araújo - Tem isso e mais alguma coisa, mas não vou contar aqui. Costumo dizer que tem 40% de pecados e 60% de música popular brasileira. Por isso se chama "Nunca Fui Santa", que é um jargão do mundo gay. Tem um pouco sobre drogas, sobre sexo, homossexualismo, show business...
Folha - Como o senhor vive em tempos de Aids?
Araújo - Fiz muita sacanagem, mas desde que começou essa história de Aids não transo mais. Há muitas outras maneiras de ter prazer. Mas hoje estou só, não quero ninguém na minha cama.
Folha - A perspectiva da morte mudou sua vida?
Araújo - Muito. Principalmente porque me mostrou a necessidade de me organizar para a morte.

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