São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
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Xerife dos impostos quer mais poder

LILIANA LAVORATTI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A poderosa Receita Federal quer mais poder. Na avaliação do próprio secretário da Receita, Everardo Maciel, e de todos os escalões do órgão, a meta é ter acesso aos dados protegidos pelo sigilo bancário para fazer com que os contribuintes paguem os tributos em dia.
Hoje, a Receita tem pelo menos um poder muito especial e fora de controle: o de vazar informações que podem derrubar autoridades do próprio governo. Mais do que isso: até o início deste ano, somente ela podia decidir se cedia ou não à Justiça ou órgãos públicos os dados cadastrais -nome, endereço, filiação, idade- de cerca de 100 milhões de brasileiros inscritos no CPF (Cadastro da Pessoa Física) e mais 10 milhões no CGC (Cadastro Geral de Contribuintes).
Segundo Everardo Maciel, o poder da instituição hoje não é suficiente para combater a sonegação estimada em R$ 1 para cada R$ 1 arrecadado. Para o secretário da Receita, "o órgão exerce a competência que a lei lhe atribui, nem mais, nem menos".
"Saber sobre a renda, patrimônio e movimentação das contas bancárias dos contribuintes -empresas e pessoas físicas- é imprescindível para o Fisco. Mas esses dados não podem ser divulgados porque o sigilo fiscal garante a privacidade do cidadão", afirma Maciel.
A prática, no entanto, tem mostrado que o rigor do sigilo fiscal não impede o vazamento de informações de divulgação proibida.
O caso mais famoso foi o do dossiê que derrubou o ex-secretário de Acompanhamento e Preços do Ministério da Fazenda Milton Dallari. Foram revelados documentos apreendidos por fiscais durante as investigações.
Os documentos revelavam indícios de envolvimento de Dallari em práticas de tráfico de influência. A consultoria do ex-secretário prestava serviços para várias empresas privadas com as quais Dallari negociava preços em nome do Ministério da Fazenda.
Além do caso Dallari, também vieram a público os nomes dos maiores sonegadores de impostos no Brasil e até de jogadores de futebol sob investigação.
Caso Collor
A falta de controle do governo sobre a Receita ficou clara durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Apesar das várias tentativas, o Palácio do Planalto não conseguiu impedir o órgão de continuar as investigações.
Algumas tentativas já foram feitas para tentar cercear a autonomia da "máquina" da Receita. O atual secretário tirou dos delegados a competência de decidir quem vai ser fiscalizado. A partir do início deste ano, é o órgão central que define os setores de empresas que serão investigados.
O ex-secretário Osiris Lopes Filho -ocupou o cargo no governo Itamar Franco- tinha como princípio nunca abrir exceções à lei para atender pressão dos políticos ou de qualquer outro tipo de pessoa que se considere poderosa. "Se o fiscal da alfândega receber uma ordem superior para descumprir a lei, se sentirá no direito de agir da mesma forma", dizia.
Cadastro
Depois de 30 anos, somente agora os órgãos públicos federais passaram a ter acesso direto via computador aos dados do CGC e CPF. Antes, um juiz que quisesse o endereço para localizar determinada pessoa, tinha de encaminhar um pedido formal à Receita.
Na avaliação de Nelson Pessuto, presidente da Unafisco Sindical, entidade que congrega os 5.925 fiscais da Receita, a origem do vazamento de informações sigilosas pode estar longe dos auditores ou técnicos de nível médio que lidam diretamente com os dados protegidos.
Os dados das declarações do Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas são digitados por empresas subcontratadas pelo Serpro (Serviço de Processamento de Dados). "Quando o contribuinte entrega sua declaração nos bancos assume o risco de ter sua vida fiscal conhecida pelo menos naquela agência", afirma Pessuto.
Para o presidente do Sindicato dos Técnicos do Tesouro Nacional, Bruno de Oliveira, um outro inibidor dos fiscais é o fato de a lei exigir que, quando um contribuinte é autuado por sonegação, o ônus da prova caiba ao Fisco.

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