São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
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Emergência contra o caos

ALOYSIO BIONDI

Às portas do Natal, já paga a primeira parcela do 13º salário, as vendas de automóveis caíram 10% nos primeiros dez dias de dezembro. Uma queda, note-se bem, em relação aos resultados de novembro, e não na comparação com dezembro do ano passado, quando se vivia a euforia do Real.
Nos supermercados, um panorama parecido. E, fora da área de vendas, outros dados inquietantes: a indústria paulista continuou a demitir maciçamente em novembro. O número de falências bateu novo recorde no mês passado e o consumidor continua endividado.
É hora de realismo. Sem medo de serem acusados de "catastrofistas", lideranças empresariais e sindicais, povão e classe média devem exigir medidas de emergência por parte do governo FHC, para que a economia não mergulhe no caos no início de 1996.
Só avestruzes não conseguem ver que essa ameaça é concreta. Nos últimos meses, manteve-se (artificialmente) a expectativa de que a economia apresentaria alguma reação a partir de setembro/outubro, com as vendas natalinas da indústria e comércio.
Agora, esses sonhos estão desmoronando. Pode-se imaginar facilmente as consequências: empresas que sobreviveram até aqui fecharão as portas, pois os credores suspenderão a "moratória branca" (tolerância com os atrasos); o desemprego se acelerará; e os bancos terão problemas redobrados, num processo de bola de neve de proporções inimagináveis.
Não há exagero na previsão de "caos" para o começo de 1996 -se nada for feito pelo governo. O agravamento da queda da produção coincide com duas outras ameaças: a volta da inflação e uma crise de "fuga de dólares".
No caso da inflação, a alta já está a caminho por causa dos erros da política agrícola, como esta coluna procurou alertar há duas semanas. Em agosto, o governo FHC resolveu desestimular o plantio, isto é, decidiu reduzir as colheitas de 1996 (motivo: a equipe FHC não queria emitir dinheiro para comprá-las). Foi (outro) erro cavalar, pois as safras dos países do Hemisfério Norte (EUA e outros) estavam apresentando grandes quebras, em consequência de calor, secas e chuvas excessivas.
Podia-se prever que as más condições climáticas se repetiriam agora na época de plantio, no Hemisfério Sul, no Brasil. É o que está acontecendo, reduzindo ainda mais as colheitas brasileiras. Resultado: a disparada de preços já começou, com alta de 50% para o feijão e de 12% para o arroz, somente na última semana, tendência que vai surgindo também para a soja e o milho (que por sua vez puxam o preço das rações, e, finalmente, das carnes...).
Além de puxar a inflação, a quebra de safras reduzirá as exportações (soja, principalmente) e encarecerá as importações (trigo, 4,5 milhões de toneladas). Aumentará assim o "rombo" da balança comercial (exportações menos importações), criando insegurança que sempre afugenta os investidores internacionais.
Fica pronto o cenário para manobras especulativas, alta do dólar e novos problemas para os bancos. Vale a pena destacar que antes mesmo da quebra de safras o "rombo" da balança comercial já voltou em novembro, contrariando previsões cor-de-rosa da equipe FHC, de um saldo positivo de US$ 400 milhões no mês. Sintomaticamente, o valor do dólar paralelo chegou a R$ 1 na semana...
Desemprego, quebradeira, volta da inflação, crise de dólares. Não é agradável fazer essas previsões às portas do Natal. Mas é preciso encará-las, e agir, com o lançamento de um plano de emergência.
Para recuperar o consumo, de nada adianta "afrouxar" o crédito: empresas e consumidores endividados não vão usá-lo, mesmo porque sua renda está sendo devorada por juros indecentes, cobrados sobre compromissos do passado.
Caminho possível? Veja-se o exemplo do México: há dois meses, o governo montou esquema para apoiar os bancos. Mas o acordo com banqueiros exigiu a redução das taxas de juros também -atenção- sobre as dívidas velhas, enquanto aqui a equipe FHC fecha os olhos e juros de 14%, 18%, 20% ao mês.
E a agricultura? Pode-se tentar compensar a redução nas colheitas em certas regiões, provocada pelo clima, com aumento da produtividade (maior produção por alqueire) em outras. Para isso, é preciso aumentar os preços mínimos, proporcionando certeza ao agricultor de que vale a pena gastar mais em fertilizantes, defensivos etc.
E, obviamente, despejar crédito na agricultura, para esses gastos. Já. Ontem. 1996 está aí.

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