São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A festa da Costa Oeste

JOÃO ALMINO
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE SAN FRANCISCO

Se o cinema e as artes plásticas foram atraídos pela luz de Los Angeles, os escritores preferiram o "fog" de San Francisco. Dizem que vive pelo menos um poeta em cada moradia da cidade. Nesta região, moram o objetivista Carl Rakosi, com 92 anos, o nobel polonês Czelaw Milosz, o "beat" Lawrence Ferlinghetti e expoentes das novas gerações: Michael Palmer, Nathaniel Mackey, a "language poet Lyn Hejinian e o novo poeta laureado dos EUA, Robert Hass.
Há dois anos intensificou-se o hábito da leitura de poesia nos bares. Basta abrir o "Poetry Flash", jornal editado pela poeta Joyce Jenkins, com a programação do mês: 68 leituras! Juntamente com a "Threepenny Review, editado por Wendy Lesser, e "Zyzzyva, por Howard Junker", é uma das bússolas da produção atual.
A produção editorial também está viva, graças ao poeta Lawrence Ferlinghetti, da City Lights, que recentemente lançou antologia da atual poesia mexicana organizada pelo poeta Juvenal Acosta, a John Martins, da Black Sparrow e a pequenas editoras, como a Mercury House.
O boom da poesia vem do pós-guerra e não parou. Tudo começou quando chegaram do leste os poetas do grupo da "Black Mountain Review" -Robert Creeley, Charles Olson e Robert Duncan. Aqui encontraram Gary Snyder e Kenneth Rexroth, amantes da natureza que, ao mesmo tempo em que se sentiam atraídos pela poesia de Walt Whitman e William Carlos Williams, tinham os olhos voltados para a Ásia. Desta união nasceu a "San Francisco Renaissance". Associado a esta corrente esteve também o surrealista Philip Lamantia, "descoberto" por André Breton.
Os "beats beberam neste renascimento. O grupo, que veio a incluir Kerouac, Burroughs, Ginsberg, Corso, Ferlinghetti, McClure e Whalen, popularizou, nos cafés e bares de North Beach, as leituras públicas de poesia, algo que o protobeat próximo a Duncan, Jack Spicer, defensor da poesia oral, já vinha procurando fazer.
A novíssima onda tem, portanto, tradição. Nos anos 80, a relação com a música continuava, só que via Lou Reed e Leonard Cohen, bem como as "poet bands" de Patti Smith e Jim Carroll. Se os "language poets, que se projetaram em San Francisco e Nova York nos anos 70, se dizem herdeiros de William Carlos Williams, é também nele que vão se inspirar os expoentes da oralidade, dos "poetry slams", da poesia participatória e performática, da palavra falada, algo que adquire força a partir dos anos 90.
Por último, a variedade racial da região explica que seja o palco de batalhas multiculturais, travadas na busca da afirmação de uma poesia asiático-americana, afro-americana (Ishmael Reed) ou hispânica (Alurista, Cherrie Moraga, Alfred Arteaga). Algo semelhante ocorre com a questão de gênero (exemplo: poesia gay, como em Francisco X. Alarcon).
Mas a melhor produção passa ao largo das leituras de bar e do multiculturalismo. Nathaniel Mackey, negro cuja poesia passeia pelo jazz e rituais africanos, não precisa da bandeira afro-americana. Mais interessante do que demarcar fronteiras culturais é ofuscar a divisa entre prosa e poesia.
Desde a "language poetry", nenhuma nova corrente surgiu de forma consistente. Michael Palmer e outros mais jovens, como Leslie Scalopino, são, na verdade, poetas independentes. A "language poetry, por sua vez, cujos pioneiros, como Lyn Hejinian e Michael Davidson, têm mais de 50 anos, continua atraindo poetas mais jovens. O neo-espiritualismo que surge na Costa Leste é visto aqui como reacionário. Por outro lado, para quem se interessa por tradições espirituais alternativas, melhor ler o poeta Jerome Rothenberg, professor em San Diego, ou Diane di Prima, próxima aos "beats", do que tentar fazer descobertas no boom. Contudo, é inegável que está, de fato, acontecendo uma festa da poesia para quem quiser participar e se divertir.

Texto Anterior: POEMA
Próximo Texto: Lógica da emancipação
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.