São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
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Como privatizar energia

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

Enquanto o consenso sobre a privatização caminha em progressão geométrica no Brasil, o físico Luiz Pinguelli Rosa, do Rio, lança dia 19 uma verdadeira bíblia sobre os erros mais comuns cometidos em vendas de empresas do setor elétrico em todo o planeta.
Embora o setor mais cobiçado e que mais apareça na mídia brasileira seja o de telecomunicações, o setor elétrico tem um patrimônio de US$ 100 bilhões e está pronto para ser vendido.
"Não sou contra o capital privado no setor elétrico", diz Pinguelli. "Mas há várias formas de promover a entrada desse dinheiro, como mostram as experiências em outros países".
"Participação Privada na Expansão do Setor Elétrico ou Venda de Empresas Públicas", escrito por Pinguelli, 53, e Paulo Maurício Senra, 30, analisa detalhadamente como vários países privatizaram ou abriram o setor elétrico.
Editado pela Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o livro será distribuído inicialmente apenas para editoras universitárias.
Pinguelli comenta as experiências de sete países: Estados Unidos, Inglaterra, Argentina, Chile, Noruega, Espanha e França.
"Ao contrário do que se propaga, a energia elétrica é nos EUA uma das raras indústrias em que se dá a propriedade mista e a propriedade de caráter predominantemente estatal", diz o livro.
O caso da Inglaterra é descrito como paradigmático. Em 1º de abril de 1990 passou a funcionar um sistema elétrico novo, descentralizado.
A antes monopolista Central Eletric Generating Board foi dividida em três empresas, sendo duas privadas e uma estatal.
Hoje, as empresas do setor já estão dispostas a se fundirem para aumentar a produtividade. "Cinco das 12 companhias regionais estão envolvidas em processos de fusão e aquisição", relata Pinguelli.
A população está insatisfeita, segundo pesquisas da principal empresa de opinião da Inglaterra, a Mori. Pela primeira vez na história, o preço da energia para pequenos consumidores subiu mais do que a inflação.
Um exemplo positivo relatado por Pinguelli é o do Chile. O processo foi longo. Começou nos anos 70 e só terminou no início dos 90.
Basicamente, o Chile separou suas empresas em geradoras e distribuidoras. As distribuidoras foram estruturadas de forma regional. "Separou-se a geração da distribuição para estimular a competição", diz Pinguelli.
Para o caso do Brasil, o livro de Pinguelli não faz uma apologia da presença estatal no setor elétrico. Apenas lista, segundo sua ótica, os pontos favoráveis e desfavoráveis da entrada do capital privado na energia.
Em entrevista à Folha, Pinguelli criticou o que chama de "idealismo" de algumas propostas apresentadas no país. Por exemplo, a do Estado de São Paulo, que prevê uma reestruturação com divisão das empresas estatais do setor elétrico.
"O plano de São Paulo tem o mérito de colocar o problema onde ele está: como produzir energia por um preço baixo. Mas pulverizar muito não é bom. É um idealismo até meritório, mas que não vai, necessariamente, dar certo", afirma o físico.
A seguir, as conclusões do livro favoráveis à presença a iniciativa privada no setor elétrico:
1) O capital privado é bom por introduzir "alguma competitividade e melhorar a eficiência do setor, principalmente para reduzir custos das obras com as empreiteiras";
2) A empresas estatais no Brasil têm uma deficiência de gestão, pois são "pressionadas por todos os lados, com ingerências dos políticos dos governos" e não há uma legislação que as possibilite atuar de forma eficiente;
3) O Estado não tem recursos para investir no setor elétrico.
No outro extremo, Pinguelli relata o que desestimula a presença privada em eletricidade:
1) O aumento acentuado das tarifas de energia elétrica nas mãos da iniciativa privada, como ocorreu em vários países analisados. "Isso acontece porque o capital privado exige uma taxa de retorno muito alta";
2) O patrimônio das empresas estatais de energia no Brasil seria de, aproximadamente, US$ 100 bilhões e a venda nunca arrecadaria tanto dinheiro;
3) As empresas privadas "dificilmente investirão nas obras de expansão da energia que dão retorno a longo prazo, especialmente na hidreletricidade que é uma vantagem comparativa do Brasil na competição internacional";
O livro traz, também, três conclusões sobre o assunto:
1) É incorreto "desmantelar o setor elétrico sem maiores cuidados através da venda de empresas e de usinas cujos ativos têm valores elevados, oferecidas por preços relativamente baixos";
2) A possibilidade "concreta de incentivo à iniciativa privada" está na participação da "expansão da energia elétrica via co-geração, geração independente, conservação de energia, conclusão de obras paradas e nas obras futuras";
3) Existe uma "inevitabilidade do papel do Estado na energia elétrica", pois o setor "exige uma regulamentação, não podendo ficar exclusivamente sob as forças de mercado".

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