São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 1995
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Nélson Gonçalves lança coletânea

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

O cantor Nélson Gonçalves, 76, chega aos 54 anos de carreira com um desejo: gravar "Detalhes", sucesso de Roberto Carlos, no disco que fará no ano que vem com canções inéditas em seu repertório.
Sua gravadora, a BMG-Ariola, lançou nesta semana um pacote com três CDs de canções remasterizadas. "O Mito" faz uma síntese da carreira de Nélson Gonçalves, desde "Sinto-me bem", de 1941, até "Naquela Mesa", que Nélson gravou em 1990 com o violonista Raphael Rabello.
Ex-garçom, ex-lutador de boxe, ex-viciado em cocaína - que chama de tóxico -, Nélson começou a cantar aos cinco anos, acompanhando o pai nas feiras de São Paulo.
Chegou a ser recusado por várias rádios, até que a antiga RCA, hoje BMG-Ariola, o contratou.
"Disseram que eu seria o maior cantor do Brasil", conta Nélson, sem dizer se acha que cumpriu a previsão da gravadora. Continua fazendo shows e diz que não ficou rico.
Tem certeza de que é mais fácil ser cantor hoje do que no seu tempo. Ex-gago, venceu a gagueira cantando e diz que os cantores de hoje não sabem cantar.
Hoje, Nélson Gonçalves ri ao lembrar o famoso episódio em que Ary Barroso o mandou embora de uma rádio, afirmando que ele seria melhor garçom do que cantor. Nesta entrevista, ele relembra estas e outras histórias de sua carreira e de sua vida.
*
Folha - O que o senhor achou do pacote de CDs relançados por sua gravadora?
Nélson Gonçalves - Ainda não ouvi, sabe? Eles querem relançar tudo, às vezes fico meio pessimista. É CD demais. Estou muito chateado porque um ladrão entrou na minha casa e levou mais da metade da minha coleção de discos, desde o primeiro que eu lancei. Pelo menos era um ladrão musical.
Folha - Como o senhor começou a cantar?
Nélson - No colégio. A professora sempre me chamava para puxar o hino. O problema era que, na hora do recreio, lá vinham os colegas me chamar de carusinho. Até que desisti e disse para o meu pai. Ele brigou comigo porque eu tinha me recusado a cantar o hino da minha pátria e me levou para a feira. Eu, com cinco, seis anos, subia num banco e cantava "A Malandrinha": "Oh linda imagem de mulher que me seduz...". Era um sucesso.
Folha - É verdade que o senhor foi recusado por muitas rádios da época?
Nélson - Eu era garçom no bar do meu irmão e lutava boxe. Comecei a cantar na Rádio São Paulo, mas vim tentar a vida no Rio. Fui na RCA, em cinco ou seis rádios. Mandavam que eu cantasse, eu cantava e não gostavam.
Na Rádio Transmissora, Ary Barroso pediu que eu cantasse. Ele perguntou o que eu fazia em São Paulo, e eu disse. Ele me falou: "Olha, meu filho, volta para São Paulo e vai lutar boxe ou ser garçom, porque tu não sabes cantar". Até que consegui gravar um disco com duas canções e fui de novo à RCA, aí me aceitaram. Disseram que eu seria o maior cantor do Brasil.
Folha - O senhor acha que é?
Nélson - Não sei. Não sou melhor do que ninguém. Quando comecei a cantar, diziam que eu imitava Orlando Silva, meu grande ídolo. Aí baixei minha voz um tom e consegui me diferenciar. Ser cantor naquele tempo era mais difícil.
Folha - O senhor acha que os cantores de hoje não sabem cantar?
Nélson - Não é que não sabem, mas eles colocam as sílabas tônicas nos lugares errados, dividem as palavras de forma errada, não respiram. Você vê esse tal de Falcão. Isso lá é cantor? Ninguém nem entende o que ele diz, as músicas não significam nada. Mas temos hoje grandes cantores, como Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo, Fagner, Fábio Júnior...
Folha - O que há de verdade no seu envolvimento com drogas e bebida?
Nélson - Nunca bebi. Mas já usei tóxico. Fui dependente de 58 a 66, mais ou menos. Cheguei a ser preso por isso, levei tiro de traficante, mas dizia que era pedrada, porque nesse mundo ninguém entrega ninguém. Fiquei mais de dois anos sem gravar, mesmo depois que deixei o tóxico. Hoje só fumo.
Folha - Fumar não prejudicou sua voz?
Nélson - Não sei. Fumei uma carteira de cigarro por dia, por muito tempo. Quando meu pulmão reclamava, o médico dizia que era do cigarro. Há três meses tive pneumonia, mas fiquei bom. Hoje fumo, no máximo, quatro cigarros por dia.

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