São Paulo, quinta-feira, 21 de dezembro de 1995
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Diretor elogia profissionalismo do Corpo

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Na França, a cidade de Lyon é o segundo centro de efervescência cultural depois de Paris. Num de seus templos artísticos, a Maison de la Danse, o Grupo Corpo passará a ser, a partir de 1996, a primeira companhia estrangeira a conquistar o status de residente.
"O Corpo faz sucesso na Europa principalmente por causa das qualidades excepcionais de seu elenco", diz Darmet, que vai investir US$ 4 milhões na Bienal Internacional da Dança de 1996.
"Haverá formas eruditas na Bienal. Mas, acima de tudo o evento tem caráter popular", acrescenta, salientando que a programação deverá incluir uma retrospectiva de filmes de Carmen Miranda.
Darmet ainda não revelou a programação completa da Bienal, embora já estejam confirmadas as participações do Grupo Corpo, Balé Folclórico da Bahia, de artistas e grupos independentes, como o Atores Bailarinos, Terceira Dança, Lia Rodrigues, além de coreógrafos brasileiros que vivem na Europa, como Márcia Barcelos, Ismael Ivo e Denise Namura.
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Folha - Por que você convidou o Corpo para ser residente da Maison de la Danse?
Guy Darmet - Tal convite significa vantagens mútuas. Hoje, o Corpo é um grupo internacional, que pode competir com as principais companhias americanas e européias. Agora, divulgará que é companhia residente da Maison de la Danse em todos os países que visitar e isto também dá uma dimensão suplementar à Maison.
Folha - O que significará esta residência?
Darmet - Na França, residência refere-se a algo que envolve o Ministério da Cultura, uma instituição artística e uma cidade. Trata-se de uma co-participação financeira entre três parceiros, que tem como objetivo a criação. A residência do Grupo Corpo será um pouco diferente.
O compromisso do Corpo será, durante três anos, estrear suas novas criações na Maison de la Danse. Durante as temporadas de estréia nós hospedaremos a companhia, pagaremos suas viagens, os espetáculos, mas não teremos qualquer participação financeira na parte criativa. O grupo não desenvolverá suas criações em Lyon, mas no Brasil, em Belo Horizonte.
Folha - Um grupo brasileiro como residente da Maison de la Danse não provocará ciúmes nos artistas franceses, como ocorreu ano passado com o coreógrafo norte-americano Bill T. Jones, nomeado residente do Ballet da Ópera de Lyon?
Darmet - O fato de não participarmos financeiramente das criações do Corpo já ameniza este risco. Também não haverá razão para ciúmes porque, em 1996, pretendo inaugurar dupla residência: uma internacional, com o Corpo, e uma voltada para a criação, com um grupo francês.
Será um grupo jovem, não muito conhecido, que ficará hospedado na Maison para desenvolver suas criações. A este grupo, ainda não escolhido, estaremos oferecendo condições e um lugar de trabalho. Ou seja, são duas residências com diferentes concepções.
Folha - O que lhe proporcionou o contato com a cultura brasileira durante as viagens que realizou ao Brasil em 1995?
Darmet - A primeira coisa que descobri foi a presença intensa da dança não só no Carnaval, mas em todas as festas populares. Depois, constatei a modernidade do Brasil, seja na arquitetura, na pintura, no design, nos restaurantes e bares das grandes cidades e também na dança. Para mim, a tradição e a modernidade são elementos muito importantes e complementares no Brasil. Folha - Como você analisa a situação da dança brasileira hoje?
Darmet - Com raras exceções, como o Grupo Corpo, os artistas brasileiros da dança não contam com ajuda financeira. Mas, apesar dos problemas econômicos e sociais, a dança existe no Brasil.
Hoje, no Brasil, há uma efervescência, uma explosão de diferentes propostas. É neste momento que as estruturas governamentais e privadas devem oferecer apoio à dança. Foi o que ocorreu com os jovens coreógrafos franceses no início dos anos 80, que contaram com o estímulo proporcionado por Jack Lang, ministro da cultura na época. Com isto, a França revelou numerosos talentos.
Outro detalhe negativo que tenho observado é que as companhias brasileiras são muito isoladas. Em geral viajam pouco pelo interior do Brasil, obviamente porque as viagens são muito caras.
Consequentemente, também se isolam dos outros países da América do Sul e dos demais continentes. Hoje, os programadores europeus desconhecem totalmente a dança contemporânea brasileira. Neste aspecto, a Bienal de Lyon de 1996 terá um papel importante, porque permitirá que os jovens talentos brasileiros sejam descobertos não só pelo público mas também por jornalistas e programadores culturais que, sem dúvida, os convidarão para ir a outros países.
Folha - Como você vê o futuro da dança brasileira?
Darmet - Sou otimista porque o Brasil, apesar da imagem negativa transmitida pela violência, é um país mítico. Gente do mundo inteiro ama e respeita o Brasil. Tenho certeza que, para um programador cultural, é mais fácil apresentar uma companhia brasileira do que uma africana ou neozelandesa. No coração do público há um afeto com relação ao Brasil, as pessoas sonham em conhecer o Brasil, apesar de todas as dificuldades.
Por isso, é fundamental que a dança brasileira passe a ser verdadeiramente reconhecida, pela mídia e o governo brasileiros. Acredito que a dança possa ser uma embaixadora do Brasil, assim como é o futebol. Temos que aproveitar a possibilidade que a dança nos oferece, de abolir as barreiras de idioma e, assim, romper o isolamento artístico do Brasil atual.
Claro que há o carnaval do Rio, os grandes cantores de Salvador, como Caetano e Gil, que o mundo inteiro conhece. Mas, não é suficiente. É preciso ir mais longe, apostar mais e a dança pode ganhar essa aposta.
Folha - Você convidou grupos jovens, até desconhecidos da maior parte do público brasileiro, para participar da Bienal de Lyon de 1996. O que te leva a apostar tanto na nova dança brasileira?
Darmet - A Maison de la Danse, além de apresentar grupos consagrados, também tem por missão apostar na juventude. Certos grupos brasileiros serão apresentados em pequenas salas de Lyon, outros se exibirão em horários alternativos, com espetáculos curtos, de menos de uma hora. É essencial dar chance aos grupos jovens, dentro de um evento que homenageará o Brasil.
Folha - Você pretende reproduzir o carnaval brasileiro em Lyon?
Darmet - Quero reviver o espírito dos bailes de carnaval em dois grandes eventos populares: um sobre o Rio, animado por Carlinhos de Jesus, e outro sobre Salvador, com grandes artistas baianos. Também pretendo realizar nas ruas de Lyon um desfile com um grupo de 100 pessoas de uma grande escola de samba do primeiro grupo.
Folha - Será muito caro transportar tantos artistas?
Darmet - Sim, porque hoje uma passagem de avião do Brasil para a França é duas ou três vezes mais cara do que uma passagem da França para Nova York.

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